domingo, 10 de março de 2013

Tarantino redentor


Libertem-no, sobretudo libertem-no, a ele e a todos os judeus, perdão, negros, perdão, afro-americanos sujeitos a eugenia. Depois de visualizada a película até fico espantado como o rapaz não se lembrou de fazer uma ou duas referências a Ilsa, She Wolf of the SS no meio dos filhos ilegítimos sem glória. Se bem que o pequeno flash, com o já glorioso Goebbels de série B, possa ser considerado como tal, especialmente por todos aqueles especuladores das redes sociais que acreditam veementemente em tudo o que dizem. Mas não subestimem a Ilsa, até o Pasolini lhe deitou um olho, apenas achou que o assunto poderia beneficiar de uma boa carga de homossexualismo, mas diga-se, em abono da verdade, muito mais longe da lógica eugénica antes investida, em parte por impossibilidade e em parte por serem fascistas italianos, logicamente muito menos motivados para o assunto. Assim dito, em sucedâneo aos fascistas que confundem fascio com falo na província de Salò, ficamos desconcertados com o conteúdo. Não com o conteúdo de Salò, para o qual desconcertantemente seria um eufemismo criminoso, mas sim com o do texto.


Para tudo isto afirmar não bastam belos efeitos e trocadilhos irónicos, rododendros da escrita que muitas vezes passam por Redutio ad Absurdum. Estabelecendo agora alguns paralelismos, comecemos pelo início. A ideia de um filme se impor como um objeto de arte fica sempre subjacente àquilo que mostra e àquilo que nele se pode, ou não, observar. Para isso se recorre a muitas técnicas e efeitos (alguns até de carácter tão especial que exigem diretores especializados), tal como na escrita. Mas no fundo encontra-se um conceito, uma imagem (não literal, mas mais como as representações católicas) a transmitir. E sempre que assim se consegue atingir a imagem desejada ficamos com um novo mundo, uma nova ideia. Esta ideia não é propriamente algo que normalmente se consiga atingir leigamente, sem o meio que se costuma designar por cultura, mas também não a transmite. Os filmes não são culturais nem transmitem cultura. Não são algo para educar nem para adicionar conhecimento. Como objetos de arte transmitem apenas uma conceptualização de algo que alguém percebeu, identificou e quis mostrar. Quero assim dizer, usando uma das tais figuras da falácia anteriormente mencionada, que mostrar filmes e esperar que isso contribua para o conhecimento de alguém é como esperar que um analfabeto funcional musical toque uma música só de a ouvir. Não será impossível, mas é incrivelmente difícil. Eles podem transmitir algo, mas esse algo não se sobrepõe, nem substitui, o conhecimento. E já me desviei um pouco do tópico em mãos. Mas percebendo isto, e usando toda esta lengalenga, se não há meios para perceber apenas se pode ver. E assim, em vez do conceito, ficamos apenas com o efeito. E por esta razão tanta gente se excita com efeitos especiais e personagens que primam pelo termo anglo-saxónico coolness. Basta alguém perceber isto para desdogmatizar a conceção de cinema e conseguir fazer um belo filme apenas constituído por efeitos especiais. Assim se desafia a arte, assim o desejou Quentin Compson, perdão, Quentin Tarantino.


Contra tudo o que seria expectável, este homem absorveu tudo o que enxergou em filmes que vivem apenas de efeitos e conseguiu mostrar algo bem feito quando racionalmente não o poderia ser. Para isso criou um mundo de ambiguidade onde nada é certo ou, muito menos, sabido, uma ilusão em que parece que está sempre a mostrar uma imagem inalcançável. Agora vamos confundir mais um pouco e tentar perceber o próximo passo da história. Tarantino decidiu que também era um ser cultural e quis mostrar algo ao mundo, agora pela segunda vez. Mas começando pelo princípio, Jesus Cristo deixou-se martirizar para mostrar à humanidade que um ser humano pode ser dotado de bondade sem limites, sem necessidade de vingança. Esse julgamento é divino e vem pelo inferno, uma espécie de expiação dos maus e uma redenção dos bons. Mas confundindo um pouco mais, um filme pode conceptualizar um inferno na Terra. Olhando para o seu filme anterior, vemos que Tarantino retira os judeus do seu estado de neutros abastados, que assumiram durante quase toda a história da humanidade, e converte-os em vingadores extremamente competentes. Ao mesmo tempo salva o povo alemão, matando todos os maus da fita, queimando-os numa sala de cinema ou, usando a referência católica mais uma vez, expiando os seus males. Nesta nova fita vemos um cowboy intencionalmente negro revoltar-se contra a escravidão imposta (muito mais do que fisicamente, por redução à ignorância, mais uma vez) e imperdoável e, juntando-se a um branco bonzinho alemão (ó ironia das ironias!) envia para o inferno todos os brancos e pretos que aceitavam, e queriam ser, brancos (se bem que se aqui estabelecêssemos um paralelismo, a sala de cinema anterior teria de ter muita maior capacidade). Para fazer isto, Tarantino nem sequer muda o tom dos seus filmes, utilizando o mesmo estilo irónico com que tanto ridicularizou filmes de série B e, especialmente, A, para funcionar como uma espécie de redentor da história dos povos. Ele consegue redimir a história, lavar a imagem, porque é assim que agora se assume, alguém que tem a obrigação de salvar e fazer perceber. Poderia dizer que para isso faltaria outro tipo de abordagem e de conhecimento da História. Os argumentos destes filmes não exigem um extenso conhecimento dos acontecimentos históricos, também porque se calhar foram feitos sem eles, mas têm todos aqueles efeitos que, descontextualizados, seriam ótimos, mas que para transmitir ideias são apenas artificiais e, às vezes, mesmo insultuosos. Qualquer criança contemporânea, com a sua insensibilização à violência e ao muito acumular de cultura artificial cinemática, pensaria que destruir a cara de Hitler com uma metralhadora seria uma das coisas mais espetaculares que se poderia fazer. Assim dito, parece uma brincadeira de mau gosto, mas a mim parece-me que foi por plena inconsciência. Também fico assim com mais um sonho destruído, saber que afinal o que tanto admirava nele não era sequer intencional.



terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Optometrista Humilde e o Oftalmologista Deprimido


Vamos começar humildemente pelo início. A humildade é uma arma iniciática de razão disfarçada por natureza pragmática, ela própria promove a menor prática da razão por motivos de insegurança. A realidade da humildade é que indica a existência de nenhuma, uma pequena partida de foro semântico. Olhando para o monstro imenso nomeado de opinião pessoal, de novo por motivos de humildade extrema, pensa-se tudo e diz-se tudo como uma verdade pessoal, mas as verdades pessoais servem apenas para percebermos todas as intrincadas encrencas pessoais. A virtude do pensamento encontra-se na confrontação constante com o externo e o contraditório. Se o pensamento decorre destes princípios as ideias aplicam-se a mais que um mero efeito pessoal. Fluídas e momentâneas de natureza, elas confrontam-se e não se sobrepõem. A não sobreposição do ideário é a melhor forma de construir teorias aplicáveis ao mundo. Assim se constroem argumentárias, a humildade e a opinião pessoal são absolutamente nulas para o valor que elas representam. Se a ideia não foi percebida entenda-se apenas o que se segue.


Não conheço muitos humildes entre pessoas que admiro, e mesmo entre os que não admiro menos haverá do que antes, talvez por a tendência passageira, que apelidamos de moda, ser cíclica. Mesmo assim confronto-me com a ideia de que os humildes ficam sempre aquém da sua humildade, por assim dizer, são menos ainda do que aquilo que na sua humildade dizem ser como pessoas. Se já a humildade lhes ficava mal, este facto deixa-os pior ainda. Não há maneira melhor de entender a nivelação pessoal de cada um do que o confronto constante, mas vai daí e a humildade confunde tudo. O que ela faz é que se experimente o confronto de maneira diferente. No nosso ser humilde podemos ser inferiores no confronto, mas isso é apenas no nosso ser humilde, mas como somos humildes não comparamos o nosso próprio eu pensado que sabemos que existe para além da humildade. Fica sempre uma réstia de superioridade nunca testada. Ou isto, ou ficamos extremamente envergonhados de fazer seja o que for por complexo de inferioridade. Entre a falta de confiança e o que a humildade nos deixa produzir o resultado é quase idêntico, menos pela última que produz tanto ruído que toda a gente confunde. Sempre será assim que começa, a confusão, o conceito de igualdade espalhado para a arte, o conceito dos gostos que já tanto rebati. Será assim que o mundo se deixa ir, pensando que é normal e deve ser promovido, até pela diversidade, que a grande maioria das pessoas goste mais de artistas que nada percebem do meio. As maiores estrelas da música são o que se chama um nulo compositor, de música não percebem, do que cantam pouco mais ou menos, do que dançam ainda vá lá. E isto é normal, porquê adorar alguém que consegue pegar num piano e fazer música instantânea compondo a cada som, fazendo que cada nota seja algo fresco e imprevisível, dominando a música como quem faz com que todas as partículas que existem formem um ser? É verdade que o Keith Jarrett não tem as pernas da Beyoncé, mas lá estão as pessoas a confundir pornografia com música, tal como o fazem nos filmes em que toda a gente parece uma reprodução das antigas esculturas gregas. Há quem se indigne e julgue e critique o que acontece em todo este mundo de estrelas sem nunca ter ouvido um milímetro de música que fosse feita sem pensar em rios e em dinheiro, mais especificamente os rios constituídos pelo último. Falando assim de música e de tudo o resto. E de confusão de conceitos estamos falados, partimos do que nos faz masturbar mais e do que nos faz pensar menos e não há importância, porque a igualdade faz com que não haja diferenças de importância entre nós. Se não acham que é verdade olhem para quem nos governa, para quem vende mais livros, para quem vende mais música, para quem vende mais bilhetes de cinema, e acima de tudo, para as pessoas que têm mais influência e poder, que serão normalmente as mesmas, a igualdade é uma arma espetacular para quem reside na maioria (até na publicidade se percebe, quando se publicita um produto como sendo bom é porque é o produto que a maioria prefere). Fico apenas triste por a maioria achar que as minorias são apenas raciais ou religiosas ou de sexualidade diferente.


Para o fim da humildade como uma arma basta acabar com a hipocrisia de fundo do ser humano. Mas retirando impossibilidades teóricas, a ideia principal é que para se fazer algo com relevância e critério (e não se esqueçam que critério também quer dizer critério de qualidade, se falam de best-sellers e blockbusters e dedicam o vosso tempo a eles e a compará-los parem a vão ajudar pobres a comer sopa ou qualquer coisa do estilo que importe mais, porque enganados vocês já estão, pelas próprias pessoas que fazem os best-sellers e os blockbusters) é preciso estar ciente de todas as nossas capacidades e de tudo aquilo que ainda precisamos de absorver. A humildade em nada ajuda, a confiança no que temos é essencial e aproveitar cada uma das nossas características ao máximo exige trabalho, muito mais do que aquele que custa convencermo-nos de que já possuímos algo de bom. A tarefa até se torna complicada, mas custa-me ver que por tanto idiota no mundo a censurar cada coisa que sai um pouco da caixa haja tanto talento desperdiçado. E talento desperdiçado é algo imperdoável, tanto para as pessoas que o censuram como para as pessoas que não o usam.


Acabando um pouco mais próximos do que muita gente faz e pensa e escreve, passemos a Lars von Trier. A um homem que ainda não vi fazer um filme mau, a um homem que ainda não caiu no cliché e tenta fazer tudo ao contrário. Se este homem fosse humilde nunca tinha feito o que fez, um pouco como Matthew Shipp (que continua a quebrar as regras da música a cada álbum que faz ou em que colabora, como o fantástico Optometry que gravou com DJ Spooky e que estou a ouvir neste momento de escrita), ou como Pissarro (que soube reconhecer que não conseguia ser um neo-impressionista), ou como Alexander Soljenítsine (que estava plenamente convencido deque ninguém o ia ler durante a sua vida e que estranhamente conseguiu com que quase ninguém gostasse dele). E agora vejo um mundo que o ignora por razões variadas que se resumem normalmente a nenhuma ou, explicando melhor, resumem-se à procura de defeitos que se fosse feita a mais qualquer outro filme o destruiria por completo. Ou, então, ainda acabam por dizer que não gostam por um motivo que nada tem a haver com qualquer critério ou estilo, apenas por algo que os faz sentir desconfortáveis quando se sentam e veem. Quando se fala de um filme de terror, ou horror, ainda há uma sensação de reconforto, há regras, as mortes são pautadas e no fim há um princípio moral. Agora quem nos leva ao total apocalipse de ideias onde já nada parece válido, onde tudo se esfuma e nada mais aparece que o completo abandono de tudo o que nos parecia existir como ideal, parece demasiado para se apreciar. Mas nisto se baseia a arte, toda ela, na transmissão de sensações que as palavras pouco chegam para fazer perceber, na imagem sensorial que permite tudo ver, um pouco como a narrativa sensível. Conceitos novos, que aparecem sem palavras ou imagens, destruidores de dogmas, que fazendo jus à verdade criam novos dogmas mas quase sempre melhor que os anteriores. Se a mulher corta o clitóris ou não pouco importa, as necessidades da humanidade não provêm da folia e da exacerbação do normal, evoluímos tanto que agora possuímos uma maneira diferente de evoluir, as nossas necessidades são ideias. As ideias estão por todo o lado, para quem as quer ver e ter, critiquem a falta delas, ou o facto de toda a gente andar aos pulos com um filme sobre morcegos para adolescentes, não se atrevam a deitar ideias fora só porque vos custa que elas existam.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cinema fora de tom


Este mundo soa estranho, a sons aproximadamente idênticos aos que se ouvem no interior do intestino de uma águia careca. Ou algo semelhante no simbolismo da ideia. A liberdade aproveitou-a a humanidade para iniciar o ataque aos que a quiseram. Se não tens censura, tens limitação. Passas do lápis azul à crítica em forma de vernáculo social e assim ficas, o que existe é o que a maioria quer. E o mais espetacular e impressionante é que o que a maioria quer não faz sentido absolutamente nenhum. Podia-se pensar que seria um fenómeno de casualidade provocado por um movimento de massas, que provoca que os gostos comuns não tenham que ser simultâneos em cada um, fazendo com que cada vontade seja coerente individualmente. Mas em reflexão mais próxima, percebemos que a influência que a coletividade causa em cada um provoca a incoerência de cada elemento influenciado. E a questão que resta será a de qual o movimento de massas que iniciou toda este espetacular bolo muito mal cozido. Obviamente não há nenhum movimento iniciático, existem apenas referências, as pessoas apanham-nas de onde podem e percebem-nas como suas e pessoais quando as absorvem, a partir desse momento constituem o seu gosto. As mudanças que tornaram a cultura de cada país numa cultura global levam-nos a perceber o último movimento moderno. Antes da revolução dos meios de comunicação, os únicos processos possíveis de passagem de informação e divulgação existentes eram as palavras ditas e as escritas em papel, será fácil perceber que estas referências eram controladas pelas pessoas que nos envolviam socialmente e pelas pessoas que nos ensinavam (duas entidades necessariamente diferentes). Creio não cometer um grave erro sociológico quando penso que estas referências, assim formuladas, quando dadas pela envolvência eram mínimas e vistas como comuns, e quando dadas por alguém que nos ensinava, como algo pouco comum e digno de esforço para tentar compreender. Neste momento, a maior parte destes dois meios foi substituído por publicidade, quase única e exclusivamente. Poderíamos pensar que as pessoas continuariam a ser a maior influência, mas isso só acontece porque estão expostos à mesma publicidade. Dentro de uma comunidade ainda será maior a coincidência desta exposição. Depois disto tudo dito vem a importância que isto tem para o mundo. E esta é óbvia, em vez de uma construção vertical daquilo que nós percebemos do mundo, onde existe uma espécie de escala em função da qual era definido o comportamento em relação a cada uma das referências, existe uma construção horizontal, onde tudo é igual, tudo vem do mesmo sítio. A nossa memória assim o impõe, porque sendo a sua modalidade associativa a maior responsável pelo tipo de sentimento provocado em cada um por cada objeto visionado, a exposição de tudo no mesmo meio e da mesma maneira provoca a que nada se imponha sobre o resto. Causando uma óbvia confusão de conceitos em todas as faixas etárias. E a partir dela já os adultos gostam de filmes de adolescentes, já os adolescentes gostam de filmes de crianças, já a música deixa de ser notas em sequência e se torna numa sequência imensamente repetida de um ritmo qualquer, já a originalidade conta tanto como a cópia, já o racismo é intolerado e já a intolerância se expande a tudo o resto da mesma maneira (expandindo uma ideia que se pensa evidente e impondo-a sobre os outros), já a leitura se considera um ato igual ao de ver televisão (e que tem, portanto, de provocar o mesmo efeito), já a fotografia é um avistamento de pessoas em lugares e não de lugares vistos de uma perspetiva nova e aqui já me perdi um pouco.


Será o paradoxo das vontades e a confusão tão simples como observar uma pessoa que chega a casa após um dia extenuante de trabalho, infinitamente repetido, odiando cada minuto da tarefa eliticamente elaborada. Senta-se no seu sofá e sente a necessidade de descontrair e a melhor ideia que lhe surge é ligar a televisão e ver a sua série. E qual não é o espanto do observador que assim vê este homem descontrair da repetição com mais um pouco de repetição. Esta é certamente a escolha mais óbvia, mesmo que condicionada pela falta de escolha, afinal de contas só podemos escolher daquilo que nos é conhecido. Se não conhecemos mais nada assim ficamos, espantados e rendidos ao que a publicidade nos fornece. Afinal é nisto que se baseia a série, pegar em algo que funciona e fazê-lo uma e outra vez, não mudar quase nada, apenas reescrever o que já foi escrito, fazendo uma espécie de cópia cega. Poderia ser estranho não fosse esta a óbvia consequência de se perceber que se um filme resulta e tem muita audiência, voltar a fazer um parecido, com os mesmos atores, vai resultar igualmente bem ou ainda melhor. Não fosse assim e a Marylin Monroe não tinha carreira. Mas porquê esta tamanha resistência a algo inovador e diferente? Porquê repetir algo até à exaustão? Fosse este um fenómeno apenas português e atribui-lo-ia à saudade, assim será uma nostalgia aparente que se baseia em repetir a facilidade. Mas aqui é que volta a soar estranha a música. Então se o homem se queixa de que o trabalho não o deixa aproveitar a vida, se insiste tanto para ter férias e se repudia o seu trabalho (com tal intensidade que por vezes nem o faz bem apenas por pura maldade ou por achar que o mundo lhe deve algo), chega a casa e aproveita para fazer mais um pouco de absolutamente nada? Trabalha infindavelmente mal para ter uns minutos de descanso e insiste, nesse momento, em aproveitar a vida que tanto reclama, fazendo exatamente aquilo que tanto repudia no seu trabalho, desperdiçar mais um pouco de existência. Mas isso são idiossincrasias minhas, pensar que se existimos para andar de um lado para o outro realizando tarefas menores para depois podermos comer, dormir e aproveitar para fazer tão magnânimas tarefas mais valia sermos macacos. Mas além de toda a estranheza provocada em mim vamos à ideia em si (provocada). Se a ideia inicial poderia ser produzir algo de maior duração que um filme, em que os cenários e atores se podiam repetir, baixando custos de produção, com o objetivo de desenvolver um pouco mais histórias, adicionando profundidade às personagens (fazendo isto, que tanto custa numa longa metragem, facilmente). No fim, resultou em histórias em loop, com personagens artificiais e sem identidade (que pareceria o mais difícil de fazer). Não é frequente, e costuma ser quase impossível, encontrar um série que esteja razoavelmente bem feita. Isto reduz-se para aproximadamente zero quando se procura uma série de longa duração, ou que tenham mais de doze episódios e mesmo doze já será excessivo. Isto vem pela impossibilidade teórica de explorar uma série por muito mais tempo sem recorrer a repetições e provocando muitas vezes inconsistências. E se procurarmos séries que o façam bem para além disso encontramos apenas aquelas que contornaram esta regra. Para isso Black Adder renovou a sua história para outro período histórico a cada ciclo de seis, Flying Circus fazia-o porque eram apenas sketches e não uma série concreta em si. E no início era apenas isto que acontecia, a ideia de que uma série não podia durar muito tempo, era importante renovar e inovar. E tão de repente como isto se percebeu, que seria necessário pouca quantidade para fazer uma série de qualidade, percebeu-se também que para fazer o mesmo lucro ou ainda maior bastaria repetir a mesma coisa infinitamente, até mudando, por vezes, completamente as personagens, não de ator, mas de carácter. Fazendo até com que as leis das probabilidades se reduzam a nada e tudo aconteça a cada uma delas, até coisas consideradas impossíveis. Um personagem apanha cancro, outro é assaltado, uma personagem é raptada e quase violada, outra ganha a lotaria e perde o tiquê, um mete-se com a máfia e sai-se mal e mais alguém no meio disto descobre que só conhece pessoas bonitas e desiste do sonho de ser modelo, entretanto aparece uma amiga que também é modelo e decidem que conseguem fazer tudo, então apanham cancro, são assaltadas, raptadas e violadas e ganham a lotaria, mas sem perder o tiquê porque foram mesmo violadas. Entretanto aparece um médico, um advogado e um polícia de óculos de sol e já está a magia lançada para cinquenta horas de televisão. Percebe-se facilmente que terá de haver sempre uma renovação, artificial ou total. Que há uma incongruência entre o início e o fim, não só em personagens que são substituídas ou parecem radicalmente mudadas sem razão aparente mas até na própria forma como a série é filmada ou em como o argumento é escrito. Assim nos apercebemos que quando antes as personagens eram estanques e a ação apenas se desenvolvia à volta delas, percebemos agora que tudo se baseia nelas e descobrimos uma nova telenovela disfarçada. E a sequência é quase sempre esta, com médicos mancos ou sem eles, com naves espaciais no pós-apocalipse, advogados simpatizantes do capitão Kirk e polícias que seriam milionários se patenteassem metade da tecnologia que têm. Mesmo as grandes séries de humor observacional dos Estados Unidos, que começaram com Seinfeld, continuaram com Curb Your Enthusiasm e continuam agora no seu expoente máximo com Louie, parece que se gastam com tal rapidez que cedo têm de repetir temáticas e gags disfarçadamente para parecer algo de novo.


Entretanto também parece que os realizadores de cinema, nos seus grandes assentos de cetim se apercebem de alguma desta magia e decidem que também deviam fazer algo que tivesse sempre traços semelhantes, algo que mostrasse às pessoas que este produto é parecido a um que já muito gostaram (e conseguir utilizar a palavra produto aqui, tão bem, quase parece crime), chamando-lhe a sua “assinatura pessoal”. E se antes isto significava identificar um tipo de abordagem, hoje transformou-se em algo parecido a repetir atores, repetir tipos de plano, repetir piadas e sequências e até repetir as próprias histórias. E não é que parece que, como nas séries de televisão, cada vez que chegamos a um episódio novo acabamos por ficar cada vez pior. E eu que era tão entusiasta do Seu Jorge a fazer versões acústicas de David Bowie. E de tão inóspita expedição aparece de novo Wes Anderson com um filme em que o inacreditável se converte apenas em ridículo e em que o mundo se torna subtilmente muito parecido a histórias de encantar. E de um filme sobre crianças aparece algo criado por crianças e eu até diria para crianças se elas não fossem dotadas de inteligência. O ridículo aparece apenas pela tentativa de renovar a fórmula, realizar sequências e montar os cenários de maneira semelhante, e forçar isso numa história que nada mostra de interessante, passando pelo banal e acabando no forçado. De todas as vezes que alguma coisa é feita de novo, a ideia iniciática esmorece, os efeitos desaparecem, porque o conceito já não está lá, só a lembrança dele e as artífices maneiras de o disfarçar. E de mais pouca imaginação se precisa de ter para perceber o porquê de Lynne Ramsey ver pessoas a fazer fila para sair a meio do seu filme e este homem apenas ver pessoas a rir desbragadamente de humor que não exige muito da originalidade. Já dizia o Zeca Afonso “e quando o pão sabe a merda” etecetera e tal.


domingo, 24 de junho de 2012

Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação


Contrariando a vontade que é a de falar de absolutamente nada, queria renegar a existência cultural de alguém que se digne a divagar e debater sobre essas novas modas que são os filmes de conluio entre essas bestas assassinas imortais pintadas de todas as cores, com deuses nórdicos e homens verdes de raiva. Mais do que isto, é debater as diferenças entre estes filmes e os tão em voga do “Batman”. Sobre este último não há muito a dizer, de algo bem feito não se faz algo relevante. A forma não se sobrepõe ao conteúdo por muito adornado que este esteja. Ainda mais do que isto é pensar que entre o argumento de “Os Vingadores” e a novela de sábado à tarde vão só umas piadas mais trabalhadas, mas igualmente desconcertantes por falta de originalidade. Juntamos isso e uns pontapés que custam milhões a fazer e toda a gente vai ver. E vai daí, eu pensava que como estes homens já fazem isto há tantos anos, já tinham refinado a técnica. Qual é o meu espanto ao ver que, mesmo escrevendo o mesmo argumento durante tanto anos, uma e outra vez, este continua cheio de inconsistências e falhas que só fazem sentido se pensarmos que eles andam a fazer de nós burros. Não só para mim, que parto do princípio de não me quererem satisfazer a alma, mas a todos os que gostam e até adoram estas personagens e deliram com frases feitas e lutas espaciais. Como dizia no início, debater o que resultou ou não nestes filmes, fazer comparações entre eles, é um trabalho muito coincidente com o de fazer uma antologia de Marco Paulo e comparar o seu trabalho mais antigo ao moderno, se bem que, em verdade, ele neste momento faz odes ao Danacol.

Mais do que isto ainda, sinto-me estarrecido pelo que Scorsese anda a fazer. Vai, não vai, encontro pessoas a dizer o quão genial é a rodagem do filme e como ele caracteriza de uma maneira tão especial os primórdios do cinema. Não é ciência aeroespacial, sendo “Hugo” (não me importa se “Cabret” ou não) o filme que é, passando-lhe toda a redundância por cima, continua a ser, um zero tão absoluto no cinema que eu até tinha achado mais piada se ele tivesse posto um ecrã preto durante hora e meia e dissesse que estava a tentar recriar o fim do universo, que seria um zero bem mais interessante. Mais do que isso, é a noção do zero absoluto, que se lhe enquadra perfeitamente, já que passa pelo conceito de que nenhuma partícula se moveria sobre tais condições. O extraordinário é que isto é supostamente impossível, mas este homem consegue fazê-lo.

Passo a explicar minuciosamente que sem argumento não há contestação possível. O rapaz órfão que é muito humilde e espetacular e que passou por todas as dificuldades do mundo, a miúda que o vai ajudar a fazer o que ele tem de fazer, o velho rezingão que afinal se vai transformar uma pessoa bondosa e a personagem de alívio cómico mais abominável que eu já vislumbrei. Nenhum destes personagens consegue ser mais do que o lugar comum de um lugar comum. Mais do que isso, Scorsese nem sequer conseguiu ou quis disfarçar isso. Mais um pouco e até digo que o senhor Sacha Baron Cohen dá um papel deplorável sobre um personagem que se assemelha a um preconceito mal construído por piadas baratas e humor físico de um nível que se esperaria do teatro de revista português. Passando à história, que depois de visto o filme desejei que fosse mais um “Oliver Twist” com o Méliès metido à conversa, esta extrai-se de uma maneira muito hollywoodesca de um livro, que deve ter em comum com o filme o que o Demolition Man teve com o “Admirável Mundo Novo” do Aldous Huxley. Mais valia terem deixado o homem em paz na sua cova em vez de o obrigarem a contorcer-se cada vez que o Stallone entorta a boca e deixá-lo por creditar, pois não creio que alguém conseguisse visualizar semelhanças entre o livro e o filme a não ser um dos nomes que por lá é dado. Esta obra de Scorsese torna-se tão rebatida e extraordinariamente pouco esforçada em atingir originalidade que estou em vias de a classificar como remake universal, e com muita má consideração pelos seus predecessores, de todas as histórias sobre órfãos e meninos em desgraça que atingem e sonham com o sucesso que já houve por aí. 

E agora entramos no extraordinário mundo novo das rodagens elaboradas também fazerem de um filme cinema. Que mentira mais alta que esta se levante. Atingir efeitos especiais alucinantes ou conseguir fazer com que os cenários voem e façam piruetas, não faz mais por um filme do que adicionar preguiça ao imaginário de diretores e espectadores que por abnegação da história do passado já não querem outra coisa. Mas no mais recente filme de Scorsese nem sequer é isto que acontece, ele fez um filme em 3D com a ideia fixa de o usar com todo o seu potencial, e no final, com o que ficamos são meia dúzia de imagens de ponteiros de relógio do tamanho da torre Eiffel e a própria torre, que também não está muito favorecida. Mais que isso, usou um shot contínuo na última cena, que mais não fez do que acabar uma história muito medíocre com uma espetacular demonstração de que se as personagens não têm profundidade, se a história não é trabalhada e se os atores não são por aí além integrados na personagem, não há imagem que valha ou milhões que cubram. É como se estivesse apenas a pensar como poderia fazer a primeira coisa que lhe passou pela cabeça, sem passar mais tempo a pensar como poderia fazê-la melhor. Passando ainda mais pela ideia de que Einsenstein consegue extrair mais significado e mais interpretação de cada imagem do “Battleship Potemkin” do que este homem numa cena inteira, e o Einsentein ainda trabalhava com máquinas que não tinham muita vontade de se mover, pelo menos de forma tão ágil e sem qualquer tipo de efeito especial. 


Chegamos ao fim e encontramos a cena final do “Transformers 3”. E a partir daqui não há mais nada que se possa fazer ou dizer. Apenas um homem com milhões e milhões de dólares para montar um filme com robôs gigantes que lutam e dizem frases feitas enquanto o mau muito mau é eletrocutado. E o brilhante herói robô ainda diz de tão magnânima maneira, já sem o braço esquerdo, como o próprio deus, “eu não te traí, tu traíste-te a ti mesmo”. Tentem, se for possível, encontrar algo neste filme que não tenha sido já visto em mais dez ou vinte filmes que já eram maus por si. Tentem, também, explicar-me o porquê de havendo milhões e milhões de dólares para fazer coisas espetaculares, como filmes mais ou menos bons ou tirar a fome a meninos de áfrica que só comem moscas, dão que seja meio tostão a este homem para fazer seja o que for, nem que seja respirar. 

Se o mundo é este, se a esperança é esta, que se dane a cultura e a bonomia e a capacidade racional do ser humano. Que se danem todos os que conseguem fazer. Vamos todos gostar dos “Tranformers” e aceitar que o Scorsese é que percebe disto, afinal ele até é conceituado, ou pelo menos parece.

domingo, 13 de maio de 2012

A Morte da 7ª Arte (Variação Impossível)


Esta foi a última Morte escrita.

Buena Vista Social Club

Para começar seria necessário dizer que numa época conturbada como esta, em que se percebe que a humanidade brinca com a democracia e co-existe num domínio financeiro de não-eleitos que já dominam o poder legislativo, pretendo desejar um bem-haja a todos os que pagam um bilhete de cinema para perpetuar um sistema onde o dinheiro se sobrepõe à cultura e não nos permite ser um pouco como o sonho Islandês. Um mundo onde as chapadas de um cientologista ressoam mais que a música etérea dos Sigur Rós não merece mais do que aquilo que já tem. Por isso peço a todos os que se insurgem que percebam que a causa não está no sítio onde uma pessoa vive e não consegue dinheiro para ter uma casa em condições, mas sim no sistema que permite que a sua vida seja uma inutilidade ignorante. O Rubén González e o Ibrahim Ferrer viveram a maior parte da sua vida na miséria e não deixaram de ser aquilo que eram, ninguém lhes pode tirar a música que fizeram, ninguém lhes pode tirar a obra que os perpetuou.


Quando me leio, parece que estou sempre a tentar explicar a mesma coisa, mas acho que a minha mensagem ainda não passou. Vou, por isso, tentar levar-vos por outro caminho e peço-vos só que pensem um pouco nisto: se juntarem um monte de fotografias do Man Ray e as puserem a passar num ecrã durante uma hora e meia no silêncio total, essa hora e meia terá muito mais valor do que quase todo o cinema atual. O que é que nisto é menos ou mais relevante do que qualquer crise financeira? E que custo teve? Virtualmente ínfimo e ao alcance de quase qualquer um.

O argumento de que qualquer tipo de arte tem de ser sustentado, e que isso só pode ser feito pelo dinheiro das massas é completamente irrealista. Em primeiro lugar é um insulto às massas, um insulto perfeitamente aceite, já que aceitam ver qualquer porcaria que tenha sido feita para lhes retirar dinheiro a troco de estupidificação. Em segundo é uma mentira, porque o dinheiro ganho com isto nunca sustentou nada a não ser os bolsos cheios de poucos e ainda mais estupidificação de muitos.

Já se sabe que o cinema independente se chama independente por isso mesmo. E não confundam, não quero dizer que este cinema independente não crie das peças mais pretensiosas e vazias de conteúdo que possam ser visionáveis, mas isso há-as em todo o lado. Basta um pouco de ego e sai por aí um Somewhere. Mas uma coisa é fazer-se algo que pretende ser relevante, julgar se o é ou não cabe a quem se achar de competência para tal, mas fazer algo propositadamente mau para ganhar dinheiro é de certa maneira um crime apenas não punível por lei porque as pessoas se deixam roubar (de ideias e de dinheiro).

07

A única diferença entre o Madoff e o Spielberg é que o que o Spielberg fez não o levou à prisão. E vocês poderão dizer que o homem até fez dois ou três filmes mais ou menos (e até os posso nomear: A Lista de Schindler e o Império do Sol). Contudo há coisas que são completamente imperdoáveis, como pegar num conto de K. Dick e fazer o Minority Report ou parir o Inteligência Artificial, ou mesmo fazer com que pessoas de bem gostem tanto de filmes como o Parque Jurássico, ou do Indiana Jones porque dizem que, em criança, os fazia sonhar. Mas isso também faziam os digimon e não vejo ninguém a defendê-los como sendo inapagáveis do seu papel tão relevante na história da cultura cinematográfica. E vocês pensarão que isso não é nada comparado ao Madoff. Não se esqueçam que este homem começou a sua vida sendo um salva-vidas na praia e a instalar sistemas de rega. Quando chegou a rico foi considerado durante muito tempo (até ver a rua através de barras de metal) um génio financeiro por tudo o que caminhava em Wall Street. E este homem começou a roubar dinheiro muito depois de o Spielberg começar a roubar inteligência às pessoas. Ele pode ter levado o mundo a um colapso financeiro, mas o vazio ideológico é muito pior. Percebam isso como um crime também, tal como o é impedir uma criança de ter educação. Já o disse tantas vezes, mas volto a dizer, a perpetuação do preconceito é a perpetuação da estupidez.

Também isto pode ser explicado. O preconceito leva à ideia de que nada mais é preciso ser pensado, que algo já está completamente definido. E será desta forma, a partir desses dogmas, que cada uma das pessoas nas quais eles se implantarem, se tornará, por imposição, numa pessoa limitada em ideias e muito aquém das suas capacidades. E digo isto com a maior das esperanças de fazer com que alguém me perceba e nunca com o objectivo da provocação.

Espero que também desta vez se lembrem de usar uma das coisas que no meu texto digo não pretender fazer ou que não penso, para me criticar a dizer que o faço ou penso. Afinal é assim também que se perpetuam as más ideias cinematográficas, e apenas poderão demonstrar um pouco mais o meu ideário. Sei que dizer isto já é revelar um pouco o que espero, mas penso que nem assim conseguirei evitar que aconteça, de uma maneira ou outra, por escrito ou não.

PS: A culpa não será toda de quem faz os filmes, mas também de quem pode conscientemente dizer que não e quebrar a corrente. Nem que sejam apenas cinquenta pessoas das centenas que vão a um cinema por semana, essa margem já é suficiente para exigir algo de melhor, nem que seja só nessa casa de espetáculos. Perceber que passar determinado filme quer dizer mais cinquenta pessoas no cinema chega para muito. E muito mais se este processo se repetir em todos os cinemas. Aos que podem perceber isto como sendo ligeira ou completamente verdade, digo-vos: vocês são responsáveis por todas as vossas acções, aquilo que vocês querem que se perpetue ou não é da vossa inteira responsabilidade.

O Primeiro Momento

Vou dedicar este primeiro momento a explicar a existência destas publicações. Este blogue segue-se ao projecto que eu tinha num blogue amigo chamado "A Morte da 7ª Arte" (para todos os que quiserem, estes textos encontram-se lá publicados, em A Morte da 7ª Arte ou aqui mesmo, pela ordem em que saíram, mas sem os comentários que os adoçam), e que acabou por diferenças variadamente indefinidas. Os textos da Morte acabaram mesmo por morrer, mas a ideia existente neles, essa, comprometo-me a continuá-la, por a achar relevante e com a esperança de que alguém a ache necessária. 


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Nolan)


O Som e a Fúria

Debaixo dos meus dedos acumulo as palavras dos longos segredos de um mundo que os grita e ninguém ouve. Seria de esperar algo mais que o martírio continuo de ver o brilho de uma parede ser tanto ou mais interessante do que ver algo com luz e imagem mas sem forma ou eco. Não ver seria ainda melhor. Se um dia alguém se inspirou na expectativa de fazer alguma coisa, não disse nem mais uma palavra, e apenas fez, foi considerado lunático e de certeza arrogante. Quando chegamos à conclusão que nada é valorizável para além da morte, pensamos que nada interessa. Se nada interessa não se vive. Mas, qual montanha que vem atrás de um velho lunático que andou às voltas num deserto e que falava com árvores em chamas, aparece a felicidade e pensamos fazer de nós um riso alegre. A vontade deixou de existir, o estímulo é constante, o tempo para pensar é nenhum, a definição já está dada, não fosse sempre o normal a maioria. Se fosse feliz como um macaco não me aperceberia que ser um homem que pensa que ser feliz como um macaco é bom é tão espectacular como o próprio macaco. Ao pé disto, o facto de a única tipa que aparece no filme do Tintim ser uma representação um pouco abjecta de uma cantora de ópera que só serve para partir cristal nem sequer interessa.

Para que falar mais se o discurso já se esgotou? Para criar um novo, dizer algo mais. Faulkner já disse algo parecido ao seguinte, fomos criados num mundo de adultos demasiado velhos para perceberem que são lunáticos. Se querem construir algo por cima disto não venham a pensar que o que existe neste momento é normal ou que sequer faz algum sentido. Não faz sentido eu não conseguir ir ao cinema porque não há lá um único filme que não tenha sido pago a peso de ouro para defecar diamantes. Não faz sentido o Faulkner ficar sentado na prateleira e o Paulo Coelho e outros inomináveis venderem como as camisolas da lacoste dos ciganos em dia de feira. Faria mais sentido que os próprios ciganos os vendessem como sendo uma óbvia imitação rasca de má qualidade, em vez de serem mais baratos tinham o dom de ser culturalmente inócuos e legíveis sem existirem dificuldades de interpretação ou aparecimento de dores de cabeça do viajante literário. Continua sem fazer sentido que as pessoas menos talentosas e que menos sabem de música sejam as que mais vendem, sem nunca terem composto um único compasso. Na feira também vendem screeners das próximas estreias esperadas, e pouco será dizer que se um filme estiver a ser vendido ao monte, a dois euros a peça ao lado das meias (ligeiramente mais caras), não haverá maneira nenhuma de poder ser bom. Explicar mais que isto era inútil. Mas o exercício verdadeiro vem a seguir, pensem no melhor filme que já viram a ser vendido por este método. Agora comparem este a todos os outros aos quais se pode equiparar ou que até consigam comparar sem parecer um insulto completo. Peguem nisto tudo e vão conseguir uma óptima lista de toda a inutilidade e lixo, concentremo-nos agora no que está acima disso.

Desde o início, os primórdios do cinema, havia uma obsessão constante de tornar o que se via realidade. Por isso nasceu o filme falado, o cinema a cores, os efeitos especiais, o que chama CG ou seja lá o que for. Agora há um movimento inverso, a percepção de que a realidade cinematográfica também é um factor limitante. Não estou a falar sobre a ficção científica ou desse tipo de não realidade, mas na ideia de sermos convencidos que aquele cenário é uma realidade para os personagens (ao contrário de uma obra de teatro, em que o cenário não é credível nem o pretende ser). Isso é algo que levou o cinema para o pior caminho possível, e será esta, sem sombra de dúvida, a raiz de todos os problemas. Dizermos que o cinema nos tem que levar para outro mundo completamente credível. Forma-se aqui a exigência fundamental deste tipo de projecto, é preciso uma enorme montanha de dinheiro para fazer com que tal seja possível. O raciocínio seguinte é muito simples, como não há poços sem fundo, o que pagamos para o fazer tem que ser retribuído de alguma maneira. A ambição constante de querer mais e melhor cinema, de querer fazer imagem e som como se faz a imagem e o som quando vemos e ouvimos levou a que se conseguisse o completo contrário, o comprometimento da ideia, para fazer algo que fosse mais agradável e que cativasse o maior número de pessoas, para poderem pagar tal coisa. Quando se abdica do essencial para agradar ao mundo, perde-se a identidade, perde-se a ideia, perde-se por completo a relevância. Porque nada feito para agradar poderá ser bom, pela simples razão de que a única maneira de fazer algo que agrade a toda a gente é fazer algo tão inócuo que não contrarie ninguém, algo tão pouco surpreendente que não possa chocar ninguém, algo tão simples que não confunda ninguém (porque ainda há os que fingem que confundem), algo tão animado que não adormeça ninguém, ou seja, algo tão igual ao que as pessoas estão habituadas que nem vale a pena existir. A existência de uma identidade sem uma ideia basal que seja nova pode ser avaliada como o que agora os críticos gostam muito de dizer “é um grande filme dentro do seu género”. Primeiro, a ideia de que um filme pode ser bom, mesmo que seja uma repetição quase integral daquilo que já foi feito, é uma ideia estranhíssima para mim. Ainda mais que isso, a incapacidade de o filme ter algo de novo e a incapacidade de o crítico o dizer são ambos crimes contra a cultura, um por desperdiçar dinheiro, outro por recomendar um desperdício de vida. Seguidamente e em segundo lugar, foi esta ideia de que a repetição de uma fórmula de sucesso consegue ser muito rentável que levou o cinema à desgraça de se fazerem filmes com o único objectivo de serem vendidos, sem importar a arte ou a originalidade que supostamente a rentabilidade ia sustentando. A demolição da última barreira surgiu agora, depois de já ter aparecido o bendito Spielberg e o remake constante chamado Blockbuster, depois de já terem feito tudo o que era possível com o mesmo diálogo, as mesmas piadas e os mesmos clichés mil vezes, apareceu um homem que até começou com um filme razoável, mas que agora se tornou o salva-vidas de toda a gente que gosta de filmes que fazem muito dinheiro mas acha que até tem um gosto cinematográfico requintado e gosta de intelectualizar a ideia do bom cinema. Este homem é Nolan, e resume-se numa frase: “é muito bom naquilo que faz, mas o que ele faz são filmes completamente banais”. E carregando já o crucifixo às costas, a verdade é que por muito prazer que vos dê ver filmes deste homem, ele não tem o dom de ser relevante, não faz coisas que sejam novas ou já que não tenham sido feitas mil vezes melhor antes. Seja um Thriller ou uma história sobre super heróis, a maior parte do que está lá são sequencias de acção mil vezes repetidas, argumentos e diálogos canonicamente guiados, e alguma pseudo-actividade ligeiramente intelectual, que nalguns momentos parece transparecer, mas até o Matrix enganou melhor com essa léria toda da pseudo-filosofia humana (não me interessa se o rapaz é travesti ou não, só por transcender a sua existência de homem não se transforma em metafísica). O meu único pedido é que se sabem o que é bom façam ganhar dinheiro a quem faça coisas boas. Se um homem faz coisas más deixa de as fazer a partir do momento que deixa de ganhar dinheiro por elas. Se um homem ganhar o prémio Nobel comprem um livro dele e leiam, se virem um bom filme comprem o DVD, deixem o hedonismo da idiotice para depois de morrerem.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Sofia Coppola)


Erudição Misógina

Adiam-se as forças, adiam-se as vontades, adia-se a vida. Esta é mais ou menos a maneira contemporânea de viver. Uma atitude que nos leva a não reconhecer erros nos paradigmas que nos são apresentados. Mas começar uma nova temporada de morte assim até sabe mal. Por isso há que dizer para quem quiser ler, sendo o cinema algo de mundialmente aceite, é o mais poderoso perpetuador da misoginia. E eu estou a incluir a própria igreja católica nos meus cálculos conceptuais. Pelo simples facto de esta última ser um meio de vida cada vez menos aceite e a partes largas ignorado pela larga maioria dos próprios católicos. Seria fácil dizer-vos isto e pouco mais, mas escrever apenas um parágrafo é algo de muita preguiça.


É factual que a maioria dos filmes é protagonizada por homens, mas isso é dizer pouco. Passemos apenas àquela maquia protagonizada por mulheres, e já aqui ficamos sem a larga maioria dos melhores filmes de sempre. Só dando o exemplo dos filmes do Stanley Kubrick, estes são quase exclusivamente sobre homens e como eles dominam mal o mundo e quando mete mulheres é só com o pretexto de uma obsessão sexual. Começando pelo clássico, quando antigamente tínhamos uma mulher como actriz principal era sempre uma princesa à espera do príncipe encantado, seja ele figurativo ou não. O paradigma deste tipo de filmes é o clássico da Disney, onde a mulher é retratada como algo indefeso que precisa de ser protegido e salvo com a sua meia-laranja de colans para ficar bem. Isto é o que mostramos às nossas crianças, aquilo que lhe mostramos como filmes perfeitos e saudáveis. As raparigas de tenra idade adoram ver a pequena sereia e a bela adormecida e querem ser princesas como elas, e quem as pode culpar se é o que lhe ensinam a querer ser de pequenas? À que agradecer ao Walt o grande número de adolescentes à procura de um bom namorado robusto bastante mais velho. Ainda há uma grande tipologia de filmes mais actuais live action que exploram isto de uma maneira um pouco mais moderna, fazendo com que a miúda encontre um rapaz porreiro que faz algo estúpido, dá umas voltas com mais três ou quatro e depois volta ao original, o seu extremamente verdadeiro amor, e faz isto tudo sem perder a sua inocência original (há de facto que admirar a maneira como os argumentistas dão a volta às ideias). Não refiro o nome desses filmes por incapacidade de me lembrar dos nomes mas basta pensarem em meninas que com menos de vinte anos que andaram por aí a fazer filmes e às vezes também fazem música ou são presas por conduzir bêbadas ou são gémeas. Continuando a nossa odisseia, depois dos filmes onde a mulher é admiravelmente frágil e pura temos os filmes onde a mulher é demasiado estúpida para se livrar dos seus próprios problemas e fazer alguma coisa de jeito durante o filme inteiro (e aqui temos o grande Gone With the Wind onde resplandece o mais elaborado esquema do preconceito da mente feminina). Mas reparem que há exemplos extensos disto mesmo, com uma grande participação por parte do Almodôvar que ainda não conseguiu perdoar as mulheres por existirem, e até existem por parte do Manuel de Oliveira com o seu Singularidades de uma Rapariga Loura. E já nem falo de filmes para necrotizar o próprio cérebro como é o caso do tal diário da gorda que tinha dois amores. Mas para culminar o excelente percurso temos o mais actual personagem feminino, a cabra homicida. O óbvio motivo seria o de ter uma mulher bastante jeitosa a dar pontapés e disparar contra uns tipos, algo que foi levado a um outro nível com o Kill Bill. E mesmo neste a mulher não é retratada como uma heroína, mas como um ser que apenas vive para a vingança. E é esta a base para o pensamento cinematográfico sobre a mulher, que só é capaz de grandes feitos quando é levada por sentimentos extremos como o rapto ou morte do filho ou coisa parecida (Changeling, Dancer In the Dark, Belleville Rendez-Vous, Flightplan e aquele outro filme que mete alienígenas também com esta tipa que já disse que só faz papéis que satisfaçam o seu standard feminista), nunca como um herói com um sentido de dever. E este pensamento é tão primitivo como o próprio mundo e actualmente aceite, quando assim dito, como completamente errado.  Mas não é levado apenas neste sentido, tal como no Ran do grande Kurosawa, ela pode ser apenas um ardil manipulador que estraga todos os planos existentes e imagináveis, mas mais uma vez apenas por vingança.


Calma, ainda há esperança. Monster, duas lésbicas assassinas. Mary Poppins, como é uma ama tinha mesmo de ser mulher. Mary Reilly, sempre tão indefesa e cheia de pesadelos que até o ignóbil Mr. Hyde tem pena dela e a salva. Sister Act, mulher indefesa a fugir do ex-namorado super idiota (nunca percebi, nem quando era pequeno, era como será possível uma personagem destas ter estado com aquele tipo desde o início). Tomb Rider ou o Salt, uma desculpa para por uma gaja a dar pontapés e o último até tinha sido imaginado para o Brad Pitt. The Devil Wears Prada, bem se vais fazer um filme sobre mulheres no poder mais vale que meta roupa e coisas tais que elas saibam fazer. Princess Mononoke, selvagem e homicida que mesmo assim tem que ser salva por um homem. Natural Born Killers, cabra assassina mesmo vil que mesmo assim é salva pelo homem. Ghost In the Shell, até que é heroína mas afinal é um robô. Black Swam, mulher tão envolvida nos seus próprios problemas e tão estúpida que acaba por se matar. The Hours, epidemia da mulher indefesa, cheia de problemas e suicida repartida por três papeis diferentes (facilita bastante a vida de quem vê). Mrs. Doubtfire ou Tootsie, afinal é um homem. Todos os filmes onde a Marylin Monroe entrou, em que reencarna um papel de mulher indefesa que gosta de ir para a cama com muitas pessoas mas que é muito ingénua e inocente. La Vie en Rose, se vamos fazer um filme sobre uma mulher que fez alguma coisa da vida ao menos que seja biográfico, mesmo assim mais vale que esteja embriagada de homens e analgésicos. Até a Sofia Coppola resolveu fazer um filme onde as mulheres são todas suicidas porque estão cheias de problemas e são tão indefesas e agora até prefere fazer filmes sobre homens. Precious, mulher extremamente deformada com mais problemas psicológicos e mais indefesa que qualquer outra. Psycho, afinal morre e nem sequer é a personagem principal, de volta aos homens. Se começarmos com as séries então não acabamos mais, Nikita e V, uma desculpa para pontapés e uma cabra homicida. Até havia um manga japonês depois transformado em anime que exemplifica perfeitamente este problema de as mulheres sexis terem muitos problemas em não matar ninguém. Se alguém se de ao trabalho podem ir ver a primeira cena ao youtube, tenho a certeza que vão ficar maravilhados. Spirited Away e Fargo, bem, nestes acho que não tenho nada a dizer.


O salto ao próximo nível está próximo, a mulher como uma personagem principal é algo que ainda está a ser explorado e que vai surgir cada vez mais mas nunca pelo mainstream. O Trier é um explorador nato deste tipo de papéis e curiosamente é o único perseguido pelos grupos feministas que ainda não perceberam que politicamente incorrecto e misoginia são dois conceitos diferentes. Vendo o Anticristo, mesmo que seja uma sádica homicida é-o na exploração do papel da mulher moderna na sociedade onde ainda é interpretada como o pecado original. Mas não é isto que me interessa dizer-vos, o que eu espero que percebam é que quando alguém tenta fazer algo com qualidade sobre seja o que for é perseguido mas o que é mainstream nunca é. O porquê não existe a não ser pela cegueira de pensar que, ou não são filmes sérios (primeiro erro, porque todos os filmes são sérios na perpetuação do preconceito), ou porque é aquilo que estamos habituados a ver desde os primeiros passos com a Disney e agora a Dreamworks. O que eu quero dizer é que os grandes culpados por isto continuar a acontecer somos nós que continuamos a ver todos estes filmes e nem sequer nos apercebemos que isto acontece. Não questionamos os paradigmas que nos foram apresentados desde que nascemos, não percebemos que aquilo em que nós acreditamos, algo tão pequeno como igualdade entre sexos, é posto em causa todos os dias e de uma maneira tão sistemática que até nós acabamos por integrar este dogma no nosso pensamento de maneira inconsciente. A maioria das diferenças que achamos que existem entre homens e mulheres foram coisas que vimos no cinema desde que o primeiro atrasado no mundo disse que os homens são de Marte e as mulheres de Vénus. Este acto de não pensar e questionar é anti-humano mas não é, e nunca será, anti-natural.

PS: Existe um tipo de filme em que as mulheres são quase invariavelmente as personagens principais (salvaguardando excepções óbvias). A parte menos espectacular é que são os filmes pornográficos.

sábado, 30 de julho de 2011

A Morte da 7ª Arte (Epílogo)


A Morte Morreu

A reprodução do salmão é fantástica. Os pais fertilizam os ovos espalhando esperma por toda a água em seu redor, as mães ficam à espera, ambos morrem e são comidos pelas crias. O salmão é hiper-moderno porque, além de renovar, recicla as gerações. Os salmões não tentam ser como os pais porque os conhecem mas porque são biologicamente comandados a tal.  Acho que a conclusão da história é por de mais evidente, se já leram as restantes mortes já a descobriram de certo. Não fica mal dizer, mesmo assim, que sendo nós pessoas de memória e não forçados, como o salmão, a reduzir a renovação de gerações a uma inutilidade teórica, que dizer o que já foi dito e fazer o que já foi feito é no mínimo gozar com o coitado do salmão. E eu até gosto de salmão, mesmo que seja um peixe gordo, porque eu não discrimino pela aparência. É a personalidade que conta, não o exterior, tal como nos filmes, ser atractivo ao olhar e ter efeitos especiais derivados da maquilhagem e do guarda-roupa não contam para nada.


Sentindo eu agora a necessidade de dizer alguma coisa que não confie apenas no poder da extensa ironia, vou fazer um pequeno apontamento de uma ideia que é sempre muito simples de perceber mas muito difícil de se pensar. Se alguém gostar de um filme não tem de pensar, qual rainha matemática, que o filme é bom. Este pequeno raciocínio que muito nos acompanha vem da simples falácia que é pensar que a nossa realidade se aproxima mais da verdade que a dos outros e que, por isso, o que nós gostamos é o que é realmente bom. Os agraciados são aqueles que gostam do que é bom. E como sabemos nós o que é bom ou mau? Nada mais do que esta pergunta assola tudo o que fala e portanto critica. É uma pergunta difícil de responder mas tem resposta. A resposta está em todas as páginas da humanidade, reside nas pessoas que são génios, e para as distinguirmos melhor devemos recuar um pouco, para nos afastarmos invariavelmente dos imbecis que os odeiam e rodeiam e que eventualmente desaparecem, não por não existirem mas porque já não é um tema actual o suficiente para ser discordado porque já faz parte de um dogma. Falarei então de Miguel de Cervantes, o autor do suposto primeiro romance moderno, inventor do conceito do anti-herói e, pessoalmente falando, progenitor de quase todos os artifícios de escrita hoje usados pelos grandes escritores, mas isso seria objecto de uma grande tese. Falando agora das novas gerações, os que mais se aproximam de Dom Quixote são invariavelmente os mais expeditos na arte, falando só do anti-herói, já foi usado por Gogol e Dovstoievski, por Flaubert, por Flannery O’Connor e Tom Wolfe, por Oscar Wilde, por Salman Rushdie e basicamente quase todo e qualquer romance que tenha ficado na história. Fazendo o exercício oposto, encontra os livros onde os heróis ainda são pessoas não-humanas como os de Dan Brown ou outros muitos que fazem com que ler já não seja um exercício de deleite mas um passatempo vazio. Passando à música, hoje em dia vê-se que o grande experimentalismo musical vem sempre do Jazz e que eventualmente todos aqueles que são os grandes músicos mais cedo ou mais tarde se aproximam do Jazz, na sua música e na sua maneira de ser. O improviso, a não obsessão com a composição e o aperfeiçoamento do som mas sim com o conteúdo. Todos os grandes músicos de Jazz hoje em dia se aproximam eventualmente de Miles Davis, homem que já foi muito odiado e até teve o descaramento de ir a concertos do Prince, mas digo-vos que se fosse para ouvir a “My Name Is Prince” ou a “Sexy Mother Fucker” também eu ia. Partindo para o cinema existe também um denominador comum aos grandes filmes, que reside na insistência de transmitir algo para além de uma simples história. Só na conjugação desta premissa com a grande fotografia e as grandes sequências é que se pode ter um grande filme. Os outros que são apenas parte serão sempre menores, e já exaustivamente enchi os meus textos de explicações para este facto.


Com todas estes sentidos conjuntos de palavras quero dizer que a genialidade se aproxima eventualmente uma à outra. Não é difícil encontrar os génios, aqueles que têm uma legião de idiotas contra e se afastam sempre dos cânones. Que nunca se conformam com o que já existe e procuram algo mais acima disso, assim é a evolução do pensamento. Não confundam, eu não quero dizer que são todos iguais, mas a matriz de que partem, os princípios básicos que os regem são os mesmos e as ideias que os acompanham têm também tendência para se aproximar, mas são na sua proximidade de uma diversidade imensurável. Não é portanto um padrão mas a negação à natureza de que o conhecimento é inútil. Eu admiro tudo o que transpire inteligência, o meu gosto sobre as coisas vai sempre contra quase todos, mas a minha reflexão sobre elas é compreensível, e pretendo com isto demonstrar o que para mim é evidente. O meu gosto coincide exactamente com esta busca, que é uma grande parte de mim próprio, defendo-a porque a considero correcta. Como é de conhecimento geral, algo fundamentado é verdade até prova em contrário e, como é contrário ao que normalmente se diz, tudo o que é arte é debatível e definido em melhor e pior independentemente do gosto de cada um. Para mim esta ideia é evidente, para vocês pode ser a maior estupidez ou ser incompreensível, para o mundo nem sequer interessa.

PS: A morte morreu mas volta para Setembro, talvez renovada e em novo formato. Este foi apenas um bom truque de propaganda.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Cameron)


Duas Andorinha, um Fio e um Coco

Por mim desistia de dizer qualquer coisa com sentido, faria longas frases sobre absolutamente nada, mas isto é uma crónica e não quero começar com confusões ideológicas. A minha assombração contínua de parecer repetitivo não desaparece. Mas isso depende sempre da vontade da escrita em transparecer algo diferente. Não há menor existência do que aquela que aspira a nada, e a maneira de o homem conseguir isso é através da repetição, mais que não seja da estupidez. Juntando tudo aquilo que tento fazer: transmitir uma ideia inteligível, explicá-la e torná-la aceitável e mudar uma ideia qualquer na cabeça da pessoa que o estiver a ler; chego à conclusão que escrevo para ninguém ou bastante perto disso (haverá excepções pouco mais estendidas que a proximidade do conhecimento pessoal, e mesmo aí tenho muitas duvidas em conseguir fazer admitir um novo conceito). Essa, parecendo que não, é a melhor coisa que me podia acontecer. Não preciso de ceder à ideia moderna de reciclar conceitos já expostos.


Agora a parte do cinema, vá. Falando de bom cinema, fico sempre mais que entusiasmado quando vejo algo que me faz ter de desistir de uma ideia minha. Algo que pensava ser verdade e não o é. Esse verdadeiro momento em que existe algo que ao contrário da nossa vontade nos faz desistir de ser casmurro. A evolução do conhecimento humano depende precisamente disto, não da dúvida que nos faz por uma hipótese na qual estamos completamente correctos, mas sim do erro absoluto e da mudança de paradigma. Aborrece-me a ideia de dizer porquê, não tem sentido eu fazê-lo e isto é por si só evidente. Mas também pensava que quanto a filmes a mediocridade fosse também evidente por si mesma, mas há quem insista em dissertar longamente sobre coisas indefensáveis. Aqui também se pode entender, erradamente, que tento reduzir a arte a uma ciência ao incluí-la num processo de busca e conhecimento. São ideias opostas, incompatíveis e pouco saudáveis de juntar. Já foi tentado na música, chamaram-lhe a música clássica, e por isso a maior parte dela é inaudível a não ser por hipocrisia derivada de pretensiosismo intelectual. Hoje em dia, o cinema pensado como uma fórmula científica traduz-se em Hollywood. Quanto à razão de isto ser e a felicidade que isto trás às pessoas já disse o suficiente. A mim a felicidade vem do momento em que existe algo de novo e mais interessante. Continuo a pensar que a ideia de um ser humano desperdiçar a sua vida com o nada devia ser crime. Continuo a pensar que são precisos padrões, algo que guie quem não tenha por onde se guiar. A ideia de que todas as ideias devem ser aceites é uma idiotice absoluta. A ideia de que cada um tem um domínio da realidade equivalente ao de outros é abusivamente errada. O indivíduo que se acha correcto quando tem ideias menores continua a ser o maior inimigo da cultura e a longo prazo daquilo que faz a humanidade algo que deve ser admirado com alguma proximidade. A felicidade devia ser algo a que devemos aspirar, mas não sacrifiquem a humanidade por isso. A minha alegria está em cada coisa que muda tudo, esse poder que na ciência tanto demora, consegue ser feito em noventa minutos de filme, toda esta possibilidade e vocês continuam a pagar para ir ver o Bay. A ideia de estar morto, um coelho gigante e outro com dentes bem pontiagudos, casamentos na ex-Jugoslávia, cavaleiros sem braços, a perseguição feita por um loiro que parte dedos e uiva, uma câmara tremida a filmar uma islandesa, ultra-violência com um fato que sempre quis usar em qualquer dia menos no carnaval, toda a parafernália que o Miike pôs no Ichi e me fez perceber que existe muito mais do que eu pensava que era possível incluir num filme de qualidade sem ser desnecessário… Pequenas coisas que levam algo mais que o mundo lá dentro.


Só em jeito de adenda e porque eu gosto de fazer três parágrafos vou fazer uma lista de algum do lixo cinematográfico absoluto que anda por aí (condicionada aos filmes que vi), disponibilizando-me a explicar o porque de cada uma das minhas escolhas, podendo até fazer uma morte da 7ª arte especial só para esse fim se assim quiserem. E faço-o porque ao contrário de quem já é mais entrado na vida ainda tenho idade para isto. A. I., Slumdog Millionaire, Lord of the Rings (a trilogia), os Harry Potter’s todos (até os últimos que ainda não vi), Terminator 2, Terminator 3, Cars, Avatar e as sequelas que ainda não saíram, Jurassic Park, 2 Indiana Jones que vi (porque já não me lembro se vi o terceiro), qualquer dos Transformers que admito não ter visto na integra, qualquer coisa com o Vin Diesel, uns tantos Super-Man, os X-Men todos, Wanted, War of the Worlds (2005), Minority Report, The Day After Tomorrow, Mission Impossible 2 (porque não consegui ver nem sequer 5 minutos do primeiro), Star Trek’s, qualquer um dos Blade, E. T., aquilo a que chamam hoje em dia “comédias românticas” (como The Sweetest Thing), os três últimos Star Wars que afinal são os primeiros (embora os outros não estejam assim tão longe), Matrix Reloaded e Matrix Revolutions (o primeiro se safou-se daqui por muito pouco), Oceans não-sei-quantos, Die Hard’s, Spider-Man, Hulk, incontáveis James Bond, o Rocky e o Rambo, Planet of the Apes (2001), Independence Day, Wild Wild West, Man In Black (especialmente a sequela e desde já quero mostrar o meu desagrado na insistência do Will Smith andar sempre a ouvir o Songs In the Key of Life), Armaggedon

PS: Esta é uma muito pequena amostra, podia continuar mas não acabava. Para uma próxima ficará uma lista de filmes maus um pouco acima destes, obrigatoriamente muito mais divertida de fazer.