terça-feira, 11 de outubro de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Sofia Coppola)


Erudição Misógina

Adiam-se as forças, adiam-se as vontades, adia-se a vida. Esta é mais ou menos a maneira contemporânea de viver. Uma atitude que nos leva a não reconhecer erros nos paradigmas que nos são apresentados. Mas começar uma nova temporada de morte assim até sabe mal. Por isso há que dizer para quem quiser ler, sendo o cinema algo de mundialmente aceite, é o mais poderoso perpetuador da misoginia. E eu estou a incluir a própria igreja católica nos meus cálculos conceptuais. Pelo simples facto de esta última ser um meio de vida cada vez menos aceite e a partes largas ignorado pela larga maioria dos próprios católicos. Seria fácil dizer-vos isto e pouco mais, mas escrever apenas um parágrafo é algo de muita preguiça.


É factual que a maioria dos filmes é protagonizada por homens, mas isso é dizer pouco. Passemos apenas àquela maquia protagonizada por mulheres, e já aqui ficamos sem a larga maioria dos melhores filmes de sempre. Só dando o exemplo dos filmes do Stanley Kubrick, estes são quase exclusivamente sobre homens e como eles dominam mal o mundo e quando mete mulheres é só com o pretexto de uma obsessão sexual. Começando pelo clássico, quando antigamente tínhamos uma mulher como actriz principal era sempre uma princesa à espera do príncipe encantado, seja ele figurativo ou não. O paradigma deste tipo de filmes é o clássico da Disney, onde a mulher é retratada como algo indefeso que precisa de ser protegido e salvo com a sua meia-laranja de colans para ficar bem. Isto é o que mostramos às nossas crianças, aquilo que lhe mostramos como filmes perfeitos e saudáveis. As raparigas de tenra idade adoram ver a pequena sereia e a bela adormecida e querem ser princesas como elas, e quem as pode culpar se é o que lhe ensinam a querer ser de pequenas? À que agradecer ao Walt o grande número de adolescentes à procura de um bom namorado robusto bastante mais velho. Ainda há uma grande tipologia de filmes mais actuais live action que exploram isto de uma maneira um pouco mais moderna, fazendo com que a miúda encontre um rapaz porreiro que faz algo estúpido, dá umas voltas com mais três ou quatro e depois volta ao original, o seu extremamente verdadeiro amor, e faz isto tudo sem perder a sua inocência original (há de facto que admirar a maneira como os argumentistas dão a volta às ideias). Não refiro o nome desses filmes por incapacidade de me lembrar dos nomes mas basta pensarem em meninas que com menos de vinte anos que andaram por aí a fazer filmes e às vezes também fazem música ou são presas por conduzir bêbadas ou são gémeas. Continuando a nossa odisseia, depois dos filmes onde a mulher é admiravelmente frágil e pura temos os filmes onde a mulher é demasiado estúpida para se livrar dos seus próprios problemas e fazer alguma coisa de jeito durante o filme inteiro (e aqui temos o grande Gone With the Wind onde resplandece o mais elaborado esquema do preconceito da mente feminina). Mas reparem que há exemplos extensos disto mesmo, com uma grande participação por parte do Almodôvar que ainda não conseguiu perdoar as mulheres por existirem, e até existem por parte do Manuel de Oliveira com o seu Singularidades de uma Rapariga Loura. E já nem falo de filmes para necrotizar o próprio cérebro como é o caso do tal diário da gorda que tinha dois amores. Mas para culminar o excelente percurso temos o mais actual personagem feminino, a cabra homicida. O óbvio motivo seria o de ter uma mulher bastante jeitosa a dar pontapés e disparar contra uns tipos, algo que foi levado a um outro nível com o Kill Bill. E mesmo neste a mulher não é retratada como uma heroína, mas como um ser que apenas vive para a vingança. E é esta a base para o pensamento cinematográfico sobre a mulher, que só é capaz de grandes feitos quando é levada por sentimentos extremos como o rapto ou morte do filho ou coisa parecida (Changeling, Dancer In the Dark, Belleville Rendez-Vous, Flightplan e aquele outro filme que mete alienígenas também com esta tipa que já disse que só faz papéis que satisfaçam o seu standard feminista), nunca como um herói com um sentido de dever. E este pensamento é tão primitivo como o próprio mundo e actualmente aceite, quando assim dito, como completamente errado.  Mas não é levado apenas neste sentido, tal como no Ran do grande Kurosawa, ela pode ser apenas um ardil manipulador que estraga todos os planos existentes e imagináveis, mas mais uma vez apenas por vingança.


Calma, ainda há esperança. Monster, duas lésbicas assassinas. Mary Poppins, como é uma ama tinha mesmo de ser mulher. Mary Reilly, sempre tão indefesa e cheia de pesadelos que até o ignóbil Mr. Hyde tem pena dela e a salva. Sister Act, mulher indefesa a fugir do ex-namorado super idiota (nunca percebi, nem quando era pequeno, era como será possível uma personagem destas ter estado com aquele tipo desde o início). Tomb Rider ou o Salt, uma desculpa para por uma gaja a dar pontapés e o último até tinha sido imaginado para o Brad Pitt. The Devil Wears Prada, bem se vais fazer um filme sobre mulheres no poder mais vale que meta roupa e coisas tais que elas saibam fazer. Princess Mononoke, selvagem e homicida que mesmo assim tem que ser salva por um homem. Natural Born Killers, cabra assassina mesmo vil que mesmo assim é salva pelo homem. Ghost In the Shell, até que é heroína mas afinal é um robô. Black Swam, mulher tão envolvida nos seus próprios problemas e tão estúpida que acaba por se matar. The Hours, epidemia da mulher indefesa, cheia de problemas e suicida repartida por três papeis diferentes (facilita bastante a vida de quem vê). Mrs. Doubtfire ou Tootsie, afinal é um homem. Todos os filmes onde a Marylin Monroe entrou, em que reencarna um papel de mulher indefesa que gosta de ir para a cama com muitas pessoas mas que é muito ingénua e inocente. La Vie en Rose, se vamos fazer um filme sobre uma mulher que fez alguma coisa da vida ao menos que seja biográfico, mesmo assim mais vale que esteja embriagada de homens e analgésicos. Até a Sofia Coppola resolveu fazer um filme onde as mulheres são todas suicidas porque estão cheias de problemas e são tão indefesas e agora até prefere fazer filmes sobre homens. Precious, mulher extremamente deformada com mais problemas psicológicos e mais indefesa que qualquer outra. Psycho, afinal morre e nem sequer é a personagem principal, de volta aos homens. Se começarmos com as séries então não acabamos mais, Nikita e V, uma desculpa para pontapés e uma cabra homicida. Até havia um manga japonês depois transformado em anime que exemplifica perfeitamente este problema de as mulheres sexis terem muitos problemas em não matar ninguém. Se alguém se de ao trabalho podem ir ver a primeira cena ao youtube, tenho a certeza que vão ficar maravilhados. Spirited Away e Fargo, bem, nestes acho que não tenho nada a dizer.


O salto ao próximo nível está próximo, a mulher como uma personagem principal é algo que ainda está a ser explorado e que vai surgir cada vez mais mas nunca pelo mainstream. O Trier é um explorador nato deste tipo de papéis e curiosamente é o único perseguido pelos grupos feministas que ainda não perceberam que politicamente incorrecto e misoginia são dois conceitos diferentes. Vendo o Anticristo, mesmo que seja uma sádica homicida é-o na exploração do papel da mulher moderna na sociedade onde ainda é interpretada como o pecado original. Mas não é isto que me interessa dizer-vos, o que eu espero que percebam é que quando alguém tenta fazer algo com qualidade sobre seja o que for é perseguido mas o que é mainstream nunca é. O porquê não existe a não ser pela cegueira de pensar que, ou não são filmes sérios (primeiro erro, porque todos os filmes são sérios na perpetuação do preconceito), ou porque é aquilo que estamos habituados a ver desde os primeiros passos com a Disney e agora a Dreamworks. O que eu quero dizer é que os grandes culpados por isto continuar a acontecer somos nós que continuamos a ver todos estes filmes e nem sequer nos apercebemos que isto acontece. Não questionamos os paradigmas que nos foram apresentados desde que nascemos, não percebemos que aquilo em que nós acreditamos, algo tão pequeno como igualdade entre sexos, é posto em causa todos os dias e de uma maneira tão sistemática que até nós acabamos por integrar este dogma no nosso pensamento de maneira inconsciente. A maioria das diferenças que achamos que existem entre homens e mulheres foram coisas que vimos no cinema desde que o primeiro atrasado no mundo disse que os homens são de Marte e as mulheres de Vénus. Este acto de não pensar e questionar é anti-humano mas não é, e nunca será, anti-natural.

PS: Existe um tipo de filme em que as mulheres são quase invariavelmente as personagens principais (salvaguardando excepções óbvias). A parte menos espectacular é que são os filmes pornográficos.

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