O Som e a Fúria
Debaixo dos meus dedos acumulo as palavras dos longos
segredos de um mundo que os grita e ninguém ouve. Seria de esperar algo mais
que o martírio continuo de ver o brilho de uma parede ser tanto ou mais interessante
do que ver algo com luz e imagem mas sem forma ou eco. Não ver seria ainda
melhor. Se um dia alguém se inspirou na expectativa de fazer alguma coisa, não
disse nem mais uma palavra, e apenas fez, foi considerado lunático e de certeza
arrogante. Quando chegamos à conclusão que nada é valorizável para além da
morte, pensamos que nada interessa. Se nada interessa não se vive. Mas, qual
montanha que vem atrás de um velho lunático que andou às voltas num deserto e
que falava com árvores em chamas, aparece a felicidade e pensamos fazer de nós
um riso alegre. A vontade deixou de existir, o estímulo é constante, o tempo
para pensar é nenhum, a definição já está dada, não fosse sempre o normal a
maioria. Se fosse feliz como um macaco não me aperceberia que ser um homem que
pensa que ser feliz como um macaco é bom é tão espectacular como o próprio
macaco. Ao pé disto, o facto de a única tipa que aparece no filme do Tintim ser
uma representação um pouco abjecta de uma cantora de ópera que só serve para
partir cristal nem sequer interessa.
Para que falar mais se o discurso já se esgotou? Para criar
um novo, dizer algo mais. Faulkner já disse algo parecido ao seguinte, fomos
criados num mundo de adultos demasiado velhos para perceberem que são
lunáticos. Se querem construir algo por cima disto não venham a pensar que o
que existe neste momento é normal ou que sequer faz algum sentido. Não faz
sentido eu não conseguir ir ao cinema porque não há lá um único filme que não
tenha sido pago a peso de ouro para defecar diamantes. Não faz sentido o
Faulkner ficar sentado na prateleira e o Paulo Coelho e outros inomináveis
venderem como as camisolas da lacoste
dos ciganos em dia de feira. Faria mais sentido que os próprios ciganos os
vendessem como sendo uma óbvia imitação rasca de má qualidade, em vez de serem
mais baratos tinham o dom de ser culturalmente inócuos e legíveis sem existirem
dificuldades de interpretação ou aparecimento de dores de cabeça do viajante
literário. Continua sem fazer sentido que as pessoas menos talentosas e que
menos sabem de música sejam as que mais vendem, sem nunca terem composto um
único compasso. Na feira também vendem screeners das próximas estreias
esperadas, e pouco será dizer que se um filme estiver a ser vendido ao monte, a
dois euros a peça ao lado das meias (ligeiramente mais caras), não haverá
maneira nenhuma de poder ser bom. Explicar mais que isto era inútil. Mas o
exercício verdadeiro vem a seguir, pensem no melhor filme que já viram a ser
vendido por este método. Agora comparem este a todos os outros aos quais se
pode equiparar ou que até consigam comparar sem parecer um insulto completo.
Peguem nisto tudo e vão conseguir uma óptima lista de toda a inutilidade e
lixo, concentremo-nos agora no que está acima disso.
Desde o início, os primórdios do cinema, havia uma obsessão
constante de tornar o que se via realidade. Por isso nasceu o filme falado, o
cinema a cores, os efeitos especiais, o que chama CG ou seja lá o que for.
Agora há um movimento inverso, a percepção de que a realidade cinematográfica
também é um factor limitante. Não estou a falar sobre a ficção científica ou
desse tipo de não realidade, mas na ideia de sermos convencidos que aquele
cenário é uma realidade para os personagens (ao contrário de uma obra de
teatro, em que o cenário não é credível nem o pretende ser). Isso é algo que
levou o cinema para o pior caminho possível, e será esta, sem sombra de dúvida,
a raiz de todos os problemas. Dizermos que o cinema nos tem que levar para
outro mundo completamente credível. Forma-se aqui a exigência fundamental deste
tipo de projecto, é preciso uma enorme montanha de dinheiro para fazer com que
tal seja possível. O raciocínio seguinte é muito simples, como não há poços sem
fundo, o que pagamos para o fazer tem que ser retribuído de alguma maneira. A
ambição constante de querer mais e melhor cinema, de querer fazer imagem e som
como se faz a imagem e o som quando vemos e ouvimos levou a que se conseguisse
o completo contrário, o comprometimento da ideia, para fazer algo que fosse
mais agradável e que cativasse o maior número de pessoas, para poderem pagar
tal coisa. Quando se abdica do essencial para agradar ao mundo, perde-se a
identidade, perde-se a ideia, perde-se por completo a relevância. Porque nada
feito para agradar poderá ser bom, pela simples razão de que a única maneira de
fazer algo que agrade a toda a gente é fazer algo tão inócuo que não contrarie
ninguém, algo tão pouco surpreendente que não possa chocar ninguém, algo tão
simples que não confunda ninguém (porque ainda há os que fingem que confundem),
algo tão animado que não adormeça ninguém, ou seja, algo tão igual ao que as
pessoas estão habituadas que nem vale a pena existir. A existência de uma
identidade sem uma ideia basal que seja nova pode ser avaliada como o que agora
os críticos gostam muito de dizer “é um grande filme dentro do seu género”.
Primeiro, a ideia de que um filme pode ser bom, mesmo que seja uma repetição
quase integral daquilo que já foi feito, é uma ideia estranhíssima para mim.
Ainda mais que isso, a incapacidade de o filme ter algo de novo e a
incapacidade de o crítico o dizer são ambos crimes contra a cultura, um por
desperdiçar dinheiro, outro por recomendar um desperdício de vida. Seguidamente
e em segundo lugar, foi esta ideia de que a repetição de uma fórmula de sucesso
consegue ser muito rentável que levou o cinema à desgraça de se fazerem filmes
com o único objectivo de serem vendidos, sem importar a arte ou a originalidade
que supostamente a rentabilidade ia sustentando. A demolição da última barreira
surgiu agora, depois de já ter aparecido o bendito Spielberg e o remake
constante chamado Blockbuster, depois de já terem feito tudo o que era possível
com o mesmo diálogo, as mesmas piadas e os mesmos clichés mil vezes, apareceu
um homem que até começou com um filme razoável, mas que agora se tornou o
salva-vidas de toda a gente que gosta de filmes que fazem muito dinheiro mas
acha que até tem um gosto cinematográfico requintado e gosta de intelectualizar
a ideia do bom cinema. Este homem é Nolan, e resume-se numa frase: “é muito bom
naquilo que faz, mas o que ele faz são filmes completamente banais”. E
carregando já o crucifixo às costas, a verdade é que por muito prazer que vos
dê ver filmes deste homem, ele não tem o dom de ser relevante, não faz coisas
que sejam novas ou já que não tenham sido feitas mil vezes melhor antes. Seja
um Thriller ou uma história sobre super heróis, a maior parte do que está lá
são sequencias de acção mil vezes repetidas, argumentos e diálogos
canonicamente guiados, e alguma pseudo-actividade ligeiramente intelectual, que
nalguns momentos parece transparecer, mas até o Matrix enganou melhor com essa
léria toda da pseudo-filosofia humana (não me interessa se o rapaz é travesti
ou não, só por transcender a sua existência de homem não se transforma em
metafísica). O meu único pedido é que se sabem o que é bom façam ganhar
dinheiro a quem faça coisas boas. Se um homem faz coisas más deixa de as fazer
a partir do momento que deixa de ganhar dinheiro por elas. Se um homem ganhar o
prémio Nobel comprem um livro dele e leiam, se virem um bom filme comprem o
DVD, deixem o hedonismo da idiotice para depois de morrerem.
Este post foi referenciado, criteriosamente, no âmbito de uma rubrica no meu blogue. Aqui: http://caminholargo.blogspot.pt/2013/08/a-pergunta-da-resposta-5.html
ResponderEliminarA propósito, convido também a tentares resolver/reflectir sobre a pergunta e a resposta em questão.
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo