O Clarinete de Woody Allen
Seguindo características
maliciosas de gente que pensa que pensa e não pensa, analisando uma a uma as
sequências de ideias que não enquadram dentro do que acho provável e possível,
não existe para além da desorientação imensa uma linha definidora, um esboço
que separe arte do que não o é. A afinidade intrínseca em utilizar um saco
qualificador, a insistência em usar escalas, comparar e, mais do que nada,
normalizar. Uma atitude cultural pouco saudável que não admite a existência de
cultura. A falsa confiança transmitida por algum tipo de linguagem longínqua e
comum, a participação deste ou daquele, o magnífico, sensacional, bizarro,
genial da obra primorosamente prima. Óbvio que a ideia da idiossincrasia em
círculo, os elogios dados a si próprios quando felicitam alguém por ter
exactamente a mesma opinião ou similar, não passa de algo pobre e não gerador
de nada novo. A ilusão da vida é uma ideia, uma ideia simples, a ideia de que
se têm ideias novas e não já infinitamente repetidas. Ter uma ideia fora desta
ideia já é um crime, existe o rótulo, a nova arma, és original mas não original
como nós. Pois maior crime que este se levante.
Algo
que fascina ainda é o esboço da qualidade no bom cinema. E diluindo a ideia em
analogia, não passa de uma arte um pouco necrófaga, recolher o que já foi feito
e tentar juntar tudo em apenas um movimento e um sentido. A tarefa será então
juntar as características que o fazem transparecer como algo digno do nome de
cinema. Começando pelo essencial, que será ter algo para fazer. No inicio será
a história (ou o verbo), de uma maneira canónica dará a definição a tudo o que
será o filme, não sendo este facto obrigatório ou sequer necessário à
existência do mesmo. A sua origem (literária, factual ou escrita pelas mãos de
um esquizofrénico que sempre recusou tratamento) passará sempre pela
irrelevância histórica de existir. Não deixa de ser verdade que os irmão Marx
nunca precisaram de mais que uma história. Sabendo até que não tem de existir
no início, como pode existir apenas no fim, quando cada hino à estética se
juntar em sequência formando “Fa Yeung Nin Wa”. Partindo daqui, e dizendo
que a conclusão será ainda nenhuma, será a altura de concretizar a visão. Então
serão precisos os adornos de sala, vêm por aí os actores, será das primeiras
condicionantes. Não terei uma perspectiva muito favorável, a maioria dos
melhores filmes que vi tem gente desta de que nunca ouvi falar ou que não toma
esta como a sua profissão. Considerar classicamente um filme será sempre uma
história em imagem, conceito que muito tentam deitar abaixo com pouco acerto.
Aproximando a estrutura moderna a esta ideia acabamos na imagem, e com as muitas
maneiras de a obtemos. Desde o conceito de teatro filmado de Manuel de Oliveira,
ao conceito da filmagem em movimento de Kusturika e a câmara tremida de Trier
no “Dancer In the Dark”, tudo é mais ou menos permitido e tudo é mais ou menos
abusado. Não pensar na maneira mas na forma, não se espantar com a medida dos
enormes recursos que hoje em dia existem mas conjecturar algo que se aproxime e
se afaste de tudo o que já se demonstrou possível. Mesmo existindo a ideia de o
cinema depender sempre de como é filmado, também pode existir o filme com fraca
ideação fotográfica, ou com uma cena completamente monocromática e tornar-se em
algo que se sobrepõe a este mesmo conceito. Em “Jour de Fête” Tati usou duas
câmaras, uma a preto e branco (por precaução) e uma a cores. A verdade é que
filmou os mesmos planos com as duas, mas depois de pensar o filme a cores e
depois de saber que o estúdio não tinha dinheiro para editar o filme a cores
lançou a versão a preto e branco. Não foi por estes subterfúgios, pela forma
não atingir a qualidade do conteúdo que o filme passou por irrelevante. Na
realidade ele nunca ficou contente com esta versão, filmou novas cenas e
coloriu ele mesmo certas partes do filme à mão (versão que é hoje a mais
conhecida). Entramos então na música que acompanha a imagem, sendo que muito
raramente será feita pelos próprios realizadores (o Woody Allen fê-lo em “Sweet
and Lowdown”), mesmo que sejam músicos. Até Kusturika em pose Rockerman da música popular jugoslava
prefere utilizar as músicas de Goran Bregovic, e ainda bem. Indagar no mundo
imenso da música e escolher o melhor para determinado momento, imagem,
sentimento, será uma das coisas que muitas vezes fica um pouco à quem do
esperado. Mais uma vez devido à materialização da imaginação humana ser sempre
uma replica relativa a quem a fez e não aos outros ou, ainda, à própria
ignorância. Se bem que a realidade permita que o filme não imita um som e
continue a ser a obra que é, sendo que até prefiro alguns filmes mudos sem um
único som. E esperando que ainda não haja cheiros nem texturas, serão, em
versões distintas e muito latas, estas as formas usadas por todos e com que
tanto se tenta inventar.
Saber, sei
que a mesma obra pode ser executada de novo, distinguindo-se da primeira com
superioridade exacerbante, quem já tocou o céu com a “Hallelujah” de Jeff
Buckley sabe disso. A execução excepcional também constrói um novo conceito,
que ainda não tinha sido alcançado, o mesmo acontece com um excelente
realizador e um fraco argumento. Não percebo é este novo conceito de ter
directores de fotografia, de som, de efeitos sonoros, de maquilhagem e
vestuário, de ter compositores e editores de imagem, editores de som,
argumentistas e produtores. O realizador já se marginalizou a si mesmo para ser
o banana que diz alguma coisa de vez em quando, abençoada forma de esconder a
própria mediocridade, abençoada maneira de termos excelentemente executado
sempre o mesmo filme. O que o irá distinguir será a visão e o conceito novo que
sem a obsessão de controlar cada detalhe não poderá existir (regra que como
todas as outras terá as suas excepções, não fosse a única coisa que interessa o
resultado final). Conclusão não se chega a nenhuma, um filme não se distingue
por ser bom em cada uma das suas formas, mas pelas ideias que o compõe, se
existem de novo ou já foram e as conjuram de nova maneira. Por isso tenho a
minha dificuldade em separar filmes em escolas e movimentos e todos os
subterfúgios classificatórios, não passam de algo detractor de algo que é único
individual, e com alguma esperança original. O problema é que as ideias
são pessoais, não são colectivas, isso simplesmente não existe.
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