Erudição Misógina
Adiam-se as forças, adiam-se as
vontades, adia-se a vida. Esta é mais ou menos a maneira contemporânea de
viver. Uma atitude que nos leva a não reconhecer erros nos paradigmas que nos
são apresentados. Mas começar uma nova temporada de morte assim até sabe mal.
Por isso há que dizer para quem quiser ler, sendo o cinema algo de mundialmente
aceite, é o mais poderoso perpetuador da misoginia. E eu estou a incluir a
própria igreja católica nos meus cálculos conceptuais. Pelo simples facto de
esta última ser um meio de vida cada vez menos aceite e a partes largas
ignorado pela larga maioria dos próprios católicos. Seria fácil dizer-vos isto
e pouco mais, mas escrever apenas um parágrafo é algo de muita preguiça.
É factual que a maioria dos
filmes é protagonizada por homens, mas isso é dizer pouco. Passemos apenas
àquela maquia protagonizada por mulheres, e já aqui ficamos sem a larga maioria
dos melhores filmes de sempre. Só dando o exemplo dos filmes do Stanley Kubrick,
estes são quase exclusivamente sobre homens e como eles dominam mal o mundo e
quando mete mulheres é só com o pretexto de uma obsessão sexual. Começando pelo
clássico, quando antigamente tínhamos uma mulher como actriz principal era
sempre uma princesa à espera do príncipe encantado, seja ele figurativo ou não.
O paradigma deste tipo de filmes é o clássico da Disney, onde a mulher é
retratada como algo indefeso que precisa de ser protegido e salvo com a sua
meia-laranja de colans para ficar bem. Isto é o que mostramos às nossas
crianças, aquilo que lhe mostramos como filmes perfeitos e saudáveis. As
raparigas de tenra idade adoram ver a pequena sereia e a bela adormecida e
querem ser princesas como elas, e quem as pode culpar se é o que lhe ensinam a
querer ser de pequenas? À que agradecer ao Walt o grande número de adolescentes
à procura de um bom namorado robusto bastante mais velho. Ainda há uma grande
tipologia de filmes mais actuais live
action que exploram isto de uma maneira um pouco mais moderna, fazendo com
que a miúda encontre um rapaz porreiro que faz algo estúpido, dá umas voltas
com mais três ou quatro e depois volta ao original, o seu extremamente
verdadeiro amor, e faz isto tudo sem perder a sua inocência original (há de
facto que admirar a maneira como os argumentistas dão a volta às ideias). Não
refiro o nome desses filmes por incapacidade de me lembrar dos nomes mas basta
pensarem em meninas que com menos de vinte anos que andaram por aí a fazer
filmes e às vezes também fazem música ou são presas por conduzir bêbadas ou são
gémeas. Continuando a nossa odisseia, depois dos filmes onde a mulher é
admiravelmente frágil e pura temos os filmes onde a mulher é demasiado estúpida
para se livrar dos seus próprios problemas e fazer alguma coisa de jeito
durante o filme inteiro (e aqui temos o grande Gone With the Wind onde resplandece o mais elaborado esquema do
preconceito da mente feminina). Mas reparem que há exemplos extensos disto
mesmo, com uma grande participação por parte do Almodôvar que ainda não
conseguiu perdoar as mulheres por existirem, e até existem por parte do Manuel
de Oliveira com o seu Singularidades de
uma Rapariga Loura. E já nem falo de filmes para necrotizar o próprio
cérebro como é o caso do tal diário da gorda que tinha dois amores. Mas para
culminar o excelente percurso temos o mais actual personagem feminino, a cabra
homicida. O óbvio motivo seria o de ter uma mulher bastante jeitosa a dar
pontapés e disparar contra uns tipos, algo que foi levado a um outro nível com o
Kill Bill. E mesmo neste a mulher não é retratada como uma heroína, mas como um
ser que apenas vive para a vingança. E é esta a base para o pensamento
cinematográfico sobre a mulher, que só é capaz de grandes feitos quando é
levada por sentimentos extremos como o rapto ou morte do filho ou coisa
parecida (Changeling, Dancer In the Dark, Belleville Rendez-Vous, Flightplan
e aquele outro filme que mete alienígenas também com esta tipa que já disse que
só faz papéis que satisfaçam o seu standard feminista), nunca como um herói com
um sentido de dever. E este pensamento é tão primitivo como o próprio mundo e
actualmente aceite, quando assim dito, como completamente errado. Mas não é levado apenas neste sentido, tal
como no Ran do grande Kurosawa, ela
pode ser apenas um ardil manipulador que estraga todos os planos existentes e
imagináveis, mas mais uma vez apenas por vingança.
Calma, ainda há esperança. Monster, duas lésbicas assassinas. Mary Poppins, como é uma ama tinha mesmo
de ser mulher. Mary Reilly, sempre
tão indefesa e cheia de pesadelos que até o ignóbil Mr. Hyde tem pena dela e a salva. Sister Act, mulher indefesa a fugir do ex-namorado super idiota
(nunca percebi, nem quando era pequeno, era como será possível uma personagem
destas ter estado com aquele tipo desde o início). Tomb Rider ou o Salt, uma
desculpa para por uma gaja a dar pontapés e o último até tinha sido imaginado
para o Brad Pitt. The Devil Wears Prada,
bem se vais fazer um filme sobre mulheres no poder mais vale que meta roupa e
coisas tais que elas saibam fazer. Princess
Mononoke, selvagem e homicida que mesmo assim tem que ser salva por um
homem. Natural Born Killers, cabra
assassina mesmo vil que mesmo assim é salva pelo homem. Ghost In the Shell, até que é heroína mas afinal é um robô. Black Swam, mulher tão envolvida nos
seus próprios problemas e tão estúpida que acaba por se matar. The Hours, epidemia da mulher indefesa,
cheia de problemas e suicida repartida por três papeis diferentes (facilita
bastante a vida de quem vê). Mrs.
Doubtfire ou Tootsie, afinal é um
homem. Todos os filmes onde a Marylin
Monroe entrou, em que reencarna um papel de mulher indefesa que gosta de ir
para a cama com muitas pessoas mas que é muito ingénua e inocente. La Vie en Rose, se vamos fazer um filme
sobre uma mulher que fez alguma coisa da vida ao menos que seja biográfico,
mesmo assim mais vale que esteja embriagada de homens e analgésicos. Até a
Sofia Coppola resolveu fazer um filme onde as mulheres são todas suicidas
porque estão cheias de problemas e são tão indefesas e agora até prefere fazer filmes
sobre homens. Precious, mulher
extremamente deformada com mais problemas psicológicos e mais indefesa que
qualquer outra. Psycho, afinal morre e nem sequer é a personagem
principal, de volta aos homens. Se começarmos com as séries então não acabamos
mais, Nikita e V, uma desculpa para pontapés e uma cabra homicida. Até havia um
manga japonês depois transformado em anime que exemplifica perfeitamente este
problema de as mulheres sexis terem muitos problemas em não matar ninguém. Se
alguém se de ao trabalho podem ir ver a primeira cena ao youtube, tenho a certeza que vão ficar maravilhados. Spirited Away e Fargo, bem, nestes acho que não tenho nada a dizer.
O salto ao próximo nível está
próximo, a mulher como uma personagem principal é algo que ainda está a ser
explorado e que vai surgir cada vez mais mas nunca pelo mainstream. O Trier é um explorador nato deste tipo de papéis e
curiosamente é o único perseguido pelos grupos feministas que ainda não
perceberam que politicamente incorrecto e misoginia são dois conceitos
diferentes. Vendo o Anticristo, mesmo
que seja uma sádica homicida é-o na exploração do papel da mulher moderna na
sociedade onde ainda é interpretada como o pecado original. Mas não é isto que
me interessa dizer-vos, o que eu espero que percebam é que quando alguém tenta
fazer algo com qualidade sobre seja o que for é perseguido mas o que é mainstream nunca é. O porquê não existe
a não ser pela cegueira de pensar que, ou não são filmes sérios (primeiro erro,
porque todos os filmes são sérios na perpetuação do preconceito), ou porque é
aquilo que estamos habituados a ver desde os primeiros passos com a Disney e
agora a Dreamworks. O que eu quero dizer é que os grandes culpados por isto
continuar a acontecer somos nós que continuamos a ver todos estes filmes e nem
sequer nos apercebemos que isto acontece. Não questionamos os paradigmas que
nos foram apresentados desde que nascemos, não percebemos que aquilo em que nós
acreditamos, algo tão pequeno como igualdade entre sexos, é posto em causa
todos os dias e de uma maneira tão sistemática que até nós acabamos por integrar
este dogma no nosso pensamento de maneira inconsciente. A maioria das
diferenças que achamos que existem entre homens e mulheres foram coisas que
vimos no cinema desde que o primeiro atrasado no mundo disse que os homens são
de Marte e as mulheres de Vénus. Este acto de não pensar e questionar é
anti-humano mas não é, e nunca será, anti-natural.
PS: Existe um tipo de filme em
que as mulheres são quase invariavelmente as personagens principais
(salvaguardando excepções óbvias). A parte menos espectacular é que são os
filmes pornográficos.