sexta-feira, 18 de março de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Hooper)


Coitado do Sr. Wilde

Esta é uma crónica dedicada ao cinema e, por essa razão se torna um bocado degradante falar deste tema. Agora que o tema já passou de moda e já ninguém fala disto, tem um que de mais interessante voltar à carga com ele. Eu sei que esta é uma crónica sobre a 7ª arte, mas nesta semana vou falar de algo que não lhe esta muito ligado: os Óscars. E vocês perguntam, ou então pergunta o meu amigo imaginário se vocês não tiverem vontade de perguntar: e qual é o teu problema com os Óscars? Absolutamente nenhum, porque não lhes reconheço a mínima autoridade para avaliar seja o que for no mundo da arte de fazer cinema. Mas, se calhar, só para fins recreativos, vou reconstruir a minha experiência dos últimos Óscars. Em primeiro quero só dizer que como já tinha em perspectiva vir a falar disto e, como queria ver este acontecimento no seu pleno esplendor, comecei por ver aquilo que traduzido directamente do inglês se denomina “o tapete vermelho” num canal perdido algures e do qual já não me lembro do nome.

Então havia um gajo de cabelo em pé, que entrevistava uns tipos que aparecem nuns filmes quaisquer, uma anã e uma gaja maquilhada de vermelho que comentam o que as pessoas vestem. Pessoas estas subqualificadas para sem-abrigo. Desfilam então as senhoras e os senhores que muito entretêm o povo e por isso lhes devemos tanto. Como eu gosto de os ver falar, parece que não mas são pessoas que ainda têm muito que dizer e não só sobre o que vestem mas também para brincar com o apresentador e dizerem que estão muito excitadas (talvez a ordem em que disse isto não seja a mais indicada). Alguns destes personagens ainda, e veja-se a ousadia, dizem olá à anã (pensando certamente que ela era patrocinada pelo “Make a Wish Foundation”, sempre generosos estes homens de bem). Uns poucos deles não fizeram nenhum filme este ano, mas já são conhecidos pela sua boa obra de entretenimento (familiar ou não). Aparece o Steven Spielberg, enjoo e mudo de canal. Agora era a vez da TVI e dos seus eruditos comentadores. Um pouco mais de pessoas numa carpete e uma mulher preta maquilhada de laranja. O Steven Spielberg outra vez, aqui fechei os olhos e disse três vezes o nome dele ao contrário para o fazer desaparecer. A mulher laranja disse ao Inglês que ia apresentar os filmes que a cerimónia estava quase a começar, pois bem, fiquei mais descansado, “a pior parte já acabou” disse eu de mim para mim. De erros está feita a vida ou dito similar. Desfilam as piadas quase politicamente incorrectas, dão estátuas pequenas e douradas a algumas pessoas, elas agradecem, mais ou menos entusiasmadas, num tempo limite. Vim aos poucos a descobrir o quão brincalhões são estes homens. Além de todas as categorias terem a palavra “melhor” por trás, dão prémios a coisas como maquilhagem e edição de som e ainda mistura de som e sabendo que entre os membros da academia (que são afinal as pessoas que escolhem) estão personagens tão intelectualmente dotadas como Will Smith e Bruce Springsteen, sobre os quais me custa acreditar que sabem o que são ou que sequer as consigam distinguir, só me apetece abrir uma categoria chamada “melhor maior idiota que acha que escolhe o que de melhor se fez no cinema no último ano” ou alguma coisa mais curta. Pelo meio ainda houve um velho engraçado, uma rapariga que quando a vejo num filme (nua ou não) fujo, um travesti que mais mão menos mão já o vi em qualquer lado, actores (muitos… e diga-se que também foi uma experiencia muito educativa, fiquei a saber o nome de muitos deles), directores e depois o resto-lho como escritores de guiões, produtores, tipos que fazem música (que têm muita sorte de os deixarem entrar e estar no meio de tais personalidades)… E parece que me esqueci de algo. Parece que premiavam filmes por lá, mas não fiquem espantados, muita gente gostava de ter um careca amarelo em miniatura em casa. Não me parece é que sejam grande indicativo de qualidade. Mas para isso tinha de falar dos filmes e não sei se está bem no espírito da noite falar deles ou continuar a fazer umas graçolas.

Bem, vou fazer uma curta adenda aos filmes. Primeiro queria manifestar a minha vontade de dar uma bofetada a quem escolheu a melhor mistura de som e melhor edição de som e elogiar todos os membros da academia que em esforço hercúleo conseguiram diferenciar as categorias. Para mim, e não sei se para mais alguém, o bom uso do som é também o bom uso do silêncio e Inception era um filme que não tinha um único momento de silêncio, era sempre saturado de uma banda sonora com excessivos violinos e vibratos nos supostos silêncios. Este filme não se calava um único segundo e é esta a melhor edição de som? Uma bela alternativa a Hollywood, não andam aos tiros na vida real, só o fazem em sonhos.

Em segundo queria falar dos dois concorrentes principais: “The King’s Speech” e “The Social Network”. Vi os dois com pouca vontade, mas para quem já viu a Pocahontas versão azul (“Avatar” para os mais esquecidos), qualquer coisa é visionável. “The Social Network” é um pequeno filme que se anuncia como algo novo e que quer quebra os cânones do cinema de Hollywood e se é preciso tão pouco para o fazer vou ali mas nem sequer volto. Não é um filme que eu chame de muito mau, mas tem tudo aquilo que me incomoda. Tem um cliché sobre um génio (têm todos de parecer autistas anti-sociais), que consegue fazer tudo com um computador, só faltava o gajo infiltrar-se no sistema informático de pentágono e começar a mandar uns mísseis (ele pode ser muito esperto mas de certeza que era um pouco mais lento a fazer certas coisas). Uma história que tenta representar um geração mas só consegue perpetuar preconceitos sobre ela, porque toda a nossa geração é devassa, especialmente as mulheres que agora se despem em todo o lado menos o quarto, sexo e drogas e pena não ter ouvido Rock’n’Roll (parecia a certos momentos um filme feito por uma pessoa idosa assustada pelo mundo moderno e os computadores). Foi um filme que eu consegui ver sem o odiar e que parecia ter intenções dizer muita coisa, mas deixou-me completamente indiferente no fim. “The King’s Speech” é doloroso de ver, muito doloroso. É uma epidemia daquilo que eu acho que esta errado no cinema e como não me quero repetir é apenas isto que vou dizer.

Depois havia ainda o Black Swan, que era a tentativa hollywoodesca de fazer um filme conceptual. Mas com medo de as pessoas não perceberem o filme puseram um tipo a contar a história do “Lago dos Cisnes” sem grandes artifícios de argumento. Era um filme que poderia funcionar se fosse a preto e branco (a parte da discoteca podia ser a cores mas monocromáticas), mudo e durasse meia hora.

Havia lá filmes que não eram maus de todo. Havia lá até a pérola de Inãrritu (mas não a vou querer misturar com estes). Mesmo assim parece-me um insulto a academia achar que esta a fazer um grande favor ao filme só por estar nomeado a duas categorias e ser falado em espanhol. Havia “127 Hours” que é um filme bem conseguido, mas que para mim sobrevive apenas do fim, e o fim só é o que é por causa da música dos Sigur Rós (acho que se este filme tivesse ganho um Óscar devia ir para eles), se bem que Boyle exagerou o bastante com a cena em que o maneta está a nadar, já percebi ele está livre da pedra para sempre e finalmente pode viver a sua vida como nunca a viveu mas sempre a quis viver, que grande lição de vida. Havia também “The Fighter” que está filmado com um bom estilo, boas interpretações, bastante cru e com uma boa camada de ironia e que eu tive muita esperança que não acabasse numa cena de luta apoteótica. Acabou por se tornar numa versão intelectual do “Rocky”.


Sei que ainda faltam alguns filmes e com pena minha ainda não consegui ver o “True Grit” ou o “Blue Valentine” e não posso falar deles, mas o que eu quero dizer é que mesmo estes filmes, que eram uma suposta alternativa cinéfila não passam de estar entre o medíocre e o razoável. E é isto que para mim representam os Óscars, uma bando de personagens que acha que percebe de cinema e que tem sorte quando premeia algo que consegue chegar à categoria de medíocre e chamar-lhe “melhor”.

PS: Mas quem são estes idiotas para separar melhor filme de melhor filme estrangeiro (e entenda-se estrangeiro por filmes que não estão em língua inglesa)? Será que por acaso acham que algo que não seja feito por lá não consegue chegar ao seu nível? É apenas um segredo que não gosto de confiar a muitas pessoa mas eu acho que é ao contrário.

terça-feira, 8 de março de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Rowling)


A Sede do Mal

Foi neste momento, às três da manha, a fumar um cigarro, ouvindo o Oh What a World! do Rufus Wainwright ao mesmo tempo que olhava para a cara de parvo do Marco Horácio dissolvida pelo fumo, que me apercebi do que era o cinema. Apenas um somatório de luz, som, imagem e a história que compõe. Todas as formas de arte vêm apenas do imaginário, uma aproximação à realidade única de cada um. O essencial então seria a existência de algo nela, entenda-se na arte, que estivesse a alimentar aquela parte não comum e que nunca conseguiríamos alcançar sem ela. Claro que, pensando na questão dos famigerados gostos, cada um tenta alcançar aquilo que lhe é mais atraente, sendo isto muito ajudado pelo significado que damos a cada coisa. Quanto mais de nós conseguirmos enfiar no que gostarmos, quanto mais conseguirmos juntar do nosso imaginário e fantástico pessoal, melhor. Esta é a suprema dificuldade do cinema, superar a nossa própria imaginação em quase todas as suas componentes, mas claro que isso depende muito da imaginação de cada um.


Aqui olhei para o meu amigo imaginário. Estava à minha frente, sentado com as pernas cruzadas. Parecia que ouvia o que eu pensava, apesar de não ter orelhas, às vezes também falava para mim, mas também não tinha boca. Na realidade nem sequer tinha cara, a minha imaginação não chegava para tanto.

­– É essa a magia do cinema? Superar a imaginação de cada um, existir para além daquilo que pensamos existir? – Enquanto dizia isto, o meu amigo imaginário esboçava um sorriso sem lábios.

– A magia do cinema é o que sai do pau do Daniel Radcliffe.

Aqui usei as minhas rugas de expressão que uso quando fico ligeiramente irritado. Quase me apeteceu deixar de imaginar, não fosse a minha vontade imensa de sempre discutir.

– É essa a razão de tanta gente gostar desse filme? O facto de não haver esforço? O esforço de ter que pensar e o esforço que o personagem principal não tem que fazer… A magia reduzida a não ter que saber nada para fazer seja o que for… É disso que as pessoas gostam?

– Não, as pessoas gostam do que sai da ponta do pau do Daniel Radcliffe.

– Vai-te lixar, estou farto de pessoas que só sabem provocar e criticar!

Vou ver o “Touch of Evil” do Welles. A ver se acalmo o meu espírito martirizado.


Assim sim, uma bela cena num contínuo take, 4 minutos de extraordinária mestria. Aparece uma bomba depositada num carro, depois o Charlton Heston a fazer de mexicano, a sua mais que tudo não mexicana a andar na rua e ainda um vendedor de rua. A certo momento parece que até atravessam a fronteira e momentos depois explode o carro. Ah, um filme Noir de Welles, nem mais… E não é que aparece o próprio Welles? Gordo e manco, um polícia à moda antiga. A intriga parece instalar-se bem, o Heston é um polícia mexicano de renome que por acaso assistiu ao acidente que decorreu do lado Americano da fronteira. O Welles não gosta do Heston porque veio meter o bedelho onde não manda, só que toda a gente lhe diz que tem de tratar bem o Heston porque é bonito e ele é feio, ou razão parecida. O Welles vai logo meter o bedelho em todo o lado e mais algum no México. Atiram ácido ao Heston e depois descobre-se que a perna manca do Welles lhe diz quem é o criminoso. Identificado o criminoso correm todos para a casa do tipo.

– E é esse o Voldemort?

Parece que não é ele, o homem marcado pelo instinto da perna do polícia fala como um maricas atrapalhado, mas não deve ser culpado. Momentos depois encontram provas na casa do criminoso, o Heston fareja logo que aquilo foi incriminação do Welles.

– Então é esse o Voldemort?

Não sei se é mesmo incriminação, mas agora parece. Então, enquanto o Heston investiga os casos corruptamente resolvidos do polícia manco, um bando de mafiosos mexicanos irrita a mulher não mexicana do Heston. O Welles fica deprimido por causa da sua reputação prestes a ser manchada e começa a beber a convite de um idiota mafioso mexicano, o coitado do manco era alcoólico. A bela mulher não mexicana é raptada e aqui percebemos que há marosca do Welles porque ele surge a falar com o chefe mafioso mexicano. Este chefe é o bandido estúpido de serviço no filme. Então o Welles mata-o, não sei se é por ser o tipo mais estúpido do filme e o Welles realizador não o querer mais por lá. Se foi por isso merecia. De seguida, o Welles incrimina a mulher do Heston por abuso de drogas, mas ela não é formalmente acusada de nada, era só para manchar a reputação do Heston e ilibar-se a ele próprio.

– Então sempre é ele o Voldemort… Sabes que estes filmes armados em intelectual são iguais aos outros, com mais ou menos jeito na arte.

O Heston decide limpar o nome e tenta arranjar uma gravação onde o Welles confesse. A cena acaba com o Welles morto, o amigo do Welles morto e o Heston todo contente com a não mexicana. Depois surge o procurador que diz que afinal o gajo que o Welles incriminou era culpado e que ele só plantava provas quando não as havia. E aparece a Marlene Dietrich a dizer qualquer coisa espectacular…

Parece que o homem afinal não era tão mau, bêbado é que não era assim tão espectacular. O Welles era, afinal, um polícia que sempre trabalhou para o mesmo que o Heston.

– Então o Heston só arranjou com que matassem o tipo que prendia os maus da fita? Então quem raio era o Voldemort?

– Ó Imaginário, parece que não era nenhum, ora f…

PS: Só quero expressar a minha tremenda admiração por Welles e este filme, e que este texto não representa uma crítica ao mesmo, porque me acredito incapaz de fazer uma. Em segunda nota só queria corrigir a errata do último mês em que disse que o Yi-Yi era um filme Japonês. É que afinal foi feito em Taiwan, e o realizador também é de lá, e como o filme não foi feito no tempo das suásticas inclinadas, na realidade é chinês. Podia ter percebido isso no filme porque toda a gente falava Mandarim, mas o meu Mandarim não é muito fluente. Peço-vos para da próxima vez não terem vergonha e que, por favor, me corrijam prontamente.